O Amor Vai Nos Destruir

- Por que a gente briga?

- Por que não conseguimos viver em paz um com o outro?

O casal inveja os amigos solteiros. Os solteirões convictos, auto-suficientes, que não tem dor de cabeça com discussões geralmente pífias e desnecessárias.

- Queria alguém pra se preocupar comigo, me ligar, pra dividir uma pipoca, peidar debaixo da coberta no frio.

O solteiro inveja os amigos que namoram. Querem a tranqüilidade de um namoro, querem a cristalização de N corpos num corpo só. É mais fácil lidar.

Eu me encontro numa situação que não tenho relacionamento fixo mas também não me considero um solteiro. Não me incomodo com a minha situação nem invejo quem namora. Mas o amor destrói. Corrompe. Fode com tudo. A gente se amava. Jogávamos videogame, chegamos a transar oito vezes num único dia, fazíamos compras juntos. Era um verdadeiro idílio. Foi o mais perto que cheguei de tal "vida de casado". Dormíamos juntos por noites e noites seguidas. Passávamos o dia conversando e o assunto nunca acabava. E quando acabava, era porque estávamos transando de novo. Ou jogando videogame, lendo revistas, fumando maconha, fazendo compras, lavando a louça, desfiando o frango, falando de passado. E quando a noite caía, sempre tinha um filme, um programa de televisão, uma lasanha congelada, uma cerveja, nossos corpos, nossos apetrechos pra apimentar o sexo. E quando chegava a hora de brigar, era na mesma intensidade. Esquecíamos-nos por completo das pequenas coisas que construímos juntos, cegos na argumentação de defesa de nossos pontos de vista e digladiávamos por horas, horas e horas. E quando nossas vozes se calavam, a tensão que emanava de nossos corpos continuava medindo forças. Quantas vezes eu mandei ir pro inferno, peguei minhas coisas e fui embora? E quantas vezes você me ligava pedindo pra eu voltar, quando eu já estava na metade do caminho? Era estranho, ridículo. Eu sempre soube que, saindo daquela porta, eu voltaria, se você me ligasse. Mas fingia acreditar que não, que não voltaria, que à partir do momento que você me deixava sair da sua casa era pra eu nunca mais voltar; que você estava me perdendo e aceitava o fato. Mas você sempre ligava e eu sempre voltava e era eu quem sempre chorava a perda. Não havia perda, mas eu chorava só de pensar nela. Na perda. Tem gente que valoriza depois que perde. Depois que já não há mais chance, depois que todas as chances acabam, resolvem valorizar aquilo que já não lhes pertence mais. Eu suspeitava que o nosso namoro acabaria com um dos dois morto. Eu só conseguia pensar que nosso amor acabaria assim: com a morte do outro. Ora, diabos, vocês que namoram, por favor, BRIGUEM, discutam, se estapeiem mas não se sintam infelizes com isso, achando que é o fim dos tempos, o fim da vida, a raspa do cu do cachorro. Isso de certa forma é demonstrar sentimento. Quando já não há mais o que se discutir, bem, aí sim é preocupante. Há coisa pior do que a indiferença? A indiferença não deixa que discussões sejam lançadas. Nem o tédio, nem a pena, dó, nojo. Não sei. Só fico sabendo que as pessoas namoram quando falam de brigas. Como se isso fosse um problema. Talvez seja. Dói, deixa a confusão reinando na cabeça. Prefere a confusão ao embotamento? Eu não sei. Os conselhos que dou são embasados em experiências. Tento usar empatia, me colocar no lugar e é difícil quando é o passado que me coloca como conselheiro. Espero um dia alcançar a metafísica pra ser mais coerente na ajuda dessas almas perturbadas que, não sei por que, vêem em mim alguém que pode ajudá-las. Namorar é complicado. Mas ser solteiro é mais complicado ainda. Tem que se administrar duas coisas: a vontade de continuar solitário e a vontade de engajar algo mais sério. Balança tensa. Sai-se que nem um urso que saiu da hibernação devorando tudo o que vem na frente. Mas com o passar dos dias isso se torna chato. As histórias tropeçam, as pessoas confundem o que se espera delas. Vem a fase da carência afetiva. Um namoro cairia bem. A paz, a família da companheira, novas histórias, aquele pós-sexo com carinho. Mas ninguém aparece. Aí vem a fase do celibato. A negação de outros corpos, a espera pela pessoa certa. Escolhe-se a dedo. A pessoa certa nunca vem. Vem aquela que tem potencial pra ser a certa e tudo é lindo no início e de repente o que era lindo se torna uma merda. A carência deixa tudo com ar de novo, com cheiro de flores, mas quando ela é suprida (?) o cheiro do limbo volta. É, não sei definir o que eu estou sentindo, como me sinto. Às vezes pareço um agente do caos, um mal necessário, um comensal. Às vezes me sinto inútil, que meu destino é ficar só. Encher a casa de gatos e bater à máquina de escrever, recebendo seguro-desemprego. Às vezes acho que sou demais para as pessoas que me envolvo, que sou sempre a Mãe da relação, a cabeça pensante, o dono das decisões. Às vezes acho que... Estou ficando louco. Eu acho...

Ps: Valorize antes de perder. E não perturbe os outros se não o fizer.

Joy Division - Love Will Tear Us Apart

27/08/2010

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 29/06/2011
Código do texto: T3065004
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