Ao balouço das aragens quando assim os deuses desejam...

Os degraus da escadaria em que desço parecem incontáveis, contudo, sei exatamente quantos são e onde estão. Ao rolar escada abaixo, sinto cada baque, cada pancada em meu corpo, quebrando e triturando ossos, vou rolando, aguardando pacientemente o fim.

As asas do avião definem como parâmetro principal onde está o horizonte. Ao rolar as escadarias, perco o meu ponto de referência, não sei aonde anda o horizonte, só o abismo que se abriu sob meus pés.

Acima das nuvens é algo realmente divino. Talvez por isso, muitos querem estar lá. Mas o arco que se faz entre as nuvens, o horizonte e as asas se desfaz em apenas um breve segundo, como o passar de uma vagarosa brisa, o tempo se torna insubordinado e do moroso, faz-se o instantâneo e assim vamos todos seguindo absolutamente cansados.

Estou sem coerência nas palavras. O que são elas, senão, um amontoado de letras, que formam sílabas, que formam palavras, que formam frases e que compõem um texto sem significado algum?

Exatamente assim vou seguindo. Sem significado algum. Deus, você consegue me ouvir? São tantas preces a Ti, será que a minha consegue chegar aos Seus ouvidos? Não, claro que não, porque eu blasfemo o tempo todo. E não acredito mais em Ti. Mas será que Você não poderia me ouvir pelo menos uma única vez?

Você pode me ouvir? Você pode me ver? O que está acontecendo dentro de mim? Estou tão cansado e não vejo claramente um caminho à minha frente.

Vou colocar minha vida no piloto automático e caminhar por entre a multidão e dizer ‘Olá, tudo bem!’ sem me interessar verdadeiramente no que os outros sentem. Vamos construindo nossa história, tijolo por tijolo esperando que palavras abençoadas nos dê o aval das nossas atitudes insanas.

Você é capaz de me ouvir? Entender o que acontece dentro de mim? Amar antes de ser amado? Dar o carinho sem que ele seja devolvido em dobro? Respeitar antes de ser respeitado? Ouvir antes de ser ouvido? Você consegue enxergar-me?

Eu estou aqui, mesmo não sabendo exatamente onde estou, mas estou aqui, em algum buraco escondido, entre as árvores do meu sítio. Entre os galhos mais altos, talvez nas copas das árvores. Estático quando o vento nos abandona. Ao balouço das aragens quando assim os deuses desejam...