Minha Última Travessia - Ganância

Eu abri os olhos... e me perguntei se havia sido roubado.

Lembrava da sensação fria da faca correndo por dentro da minha garganta, atravessando-a, e da aguda ardência misturada a umidez do sangue que vazava. Lembrava de começar a perder a sensibilidade do corpo e de seus sentidos, e assim, suavemente desaparecer.

Mas não, não se lembrava de ter sido roubado.

Passei a mão no bolso traseiro da calça que eu estava usando, e no primeiro momento eu fiquei terrivelmente frustrado por não sentir a minha carteira lá. Eu estava com três cheques assinados em quantias absurdas, prontinhas para serem depositadas, e do nada tudo se foi. Aquilo iria me dar uma nefasta dor de cabeça mais tarde.

No entanto minha irritação se transformou em pânico após alguns segundos.

Não havia carteira.

Não havia bolso.

Não havia calça.

Não havia perna.

Não havia nada.

Minha mão simplesmente planava no ar, tateando o vazio.

Resolvi olhar, e vi minha perna, encoberta pela calça, e o bolso e minha carteira dentro. E o alívio de vê-la ali entrou em choque com a náusea que foi ver minha mão penetrando o tecido da calça, e a perna além. Retirei-a imediatamente dalí, bem a tempo de vislumbrar a mim mesmo, caído no chão com um grande corte no pescoço que ainda gotejava o resto do sangue que não havia se acumulado em uma poça no chão.

Junto a ele(a mim), estava uma criatura que me parecia familiar e completamente estranha ao mesmo tempo. Ela me disse o que eu poderia deduzir sozinho, se aquela situação não fosse tão estranha - que eu estava morto. Ela acrescentou que iria me acompanhar para o lugar ao qual eu pertencia, caso eu estivesse pronto para isso. Eu olhei de novo para meu bolso que estava e não estava lá, certificando-me de que a carteira estava lá dentro, e segurei a mão(?) que a criatura me oferecia.

Instantaneamente eu senti várias coisas.

O lugar onde eu estava, o estacionamento da loja de departamentos da qual eu era chefe, se desmanchou de uma maneira estranha - parecia estar se petrificando. E ganhando uma tonalidade dourada. Meus olhos poderiam ter dobrado de tamanho quando me vi no interior de uma gigantesca gruta, onde tudo parecia ser feito de puro ouro. O que era o conteúdo da minha carteira perto daquilo? Nada!

No entanto, quase ao mesmo tempo, senti um terrível calor vindo da sola dos meus pés. Eu olhei e vi que eles haviam se transformado em cotocos disformes no meio de uma pasta amarela brilhante. No entanto, eu os sentia queimando.

Não me ocorreu que aquilo era ouro também.

Uma corrente dourada pesada (e quente) ligada a algo que parecia um grande saco prendeu as minhas mãos. No instante em que isso aconteceuu, eu soube o que havia dentro do saco.

Era o maior tesouro da Terra.

E se ele estava acorrentado a mim, ele era meu.

Eu observei, completamente deslumbrado e esquecido dos meus pés que ardiam, o tamanho daquele saco e também como ele parecia cheio. O apalpei, e senti o que só poderiam ser moedas, mas que pareciam ter o tamanho de pequenos pratos. Soube que eram de ouro só de sentir o calor dentro deles.

Não podiam ficar ali... Eu tinha que achar um lugar seguro para guardá-los...

Assim sento, eu comecei a empurrar o saco pela pasta amarela que era ouro liquefeito.

Meus pés queimavam e carbonizavam, mas eu não ligava.

Só um pensamento tomava minha mente:

Meu tesouro.

Meu tesouro.

Meu tesouro....