Cadê Alexandria?
O livro só se torna livro quando alguém o toma e tiranicamente o abre. Enquanto não acontece tal violência, ele não passa de um amontoado de folhas em profunda paz. Tem que haver uma revolução para transformar este emaranhado de folhas em livro. Caso contrário ele permanece um nada. Algo fútil e sem utilidade. É por isso que vemos nas casas dos pacificadores livros que servem de apoio em mesas e cadeiras. E nas casas dos rebeldes há diversas orelhas em diversos livros. Porque só os livros têm orelhas! Eis quando percebemos que um amontoado de folhas torna-se um livro: as orelhas! Nas orelhas estão resquícios de células rebeldes. Nas orelhas estão as digitais indeléveis de criminosos. Mas na casa dos pacificadores todos os livros têm as marcas dos pés de cadeiras e de mesas preguiçosas. É necessário que sejamos violentos e a cada dia desvirginarmos páginas e mais páginas. Temos que dar a luz a vários livros. Pois as páginas que permanecem arrumadas nas estantes dos covardes produzem mofo. Traça. Insetos que consomem milenarmente páginas. Cada página esquecida na estante é a morte eterna dum pensador qualquer. Eis a missão da revolução: o extermínio das belas Bibliotecas e das suas belas Estantes. A destruição de suas paredes, de suas cadeiras e mesas oitocentistas. Somente assim suas páginas poderão ganhar vida. Só assim elas se tornarão conhecidas das gentes, mas enquanto elas estiverem organizadas alfabeticamente nas prateleiras tímidas duma qualquer Biblioteca, elas sempre serão folhas. Folhas. Folhas!
As vezes é preciso duma guerra para que nasçam livros!