Adendo pessimista (?)

Não é todo dia que se acorda bem. Não se acorda bem dia nenhum, aliás. Dependendo do dia, pode-se ficar bem, mas isso é depois, bem depois. É impossível, veja bem, ficar alegre sabendo o que vem pela frente nesse dia imundo. Vai me dizer que você nunca pensou nisso? "Ai meu Deus, o que eu não daria pra voltar pra cama e deixar essa merda de dia pra lá?", ou "Putz, mal acordei e já estão me ligando do escritório porquê tô atrasado, que vida de merda essa minha!"... São variações mil, e não vou citá-las todas. O que importa é que seu dia invariavelmente vai ser complicado, incerto e com chances de 80 em 100 de ser horrível. Mas vamos lá, não dá pra desistir tão fácil, embora talvez seja a saída mais razoável. Vamos à faina diária. Você sai na rua e percebe todas aquelas pessoas, vidas tão parecidas com a sua, provavelmente todas tão irritadas quanto você, seguindo uma rotina tão maçante e insossa quanto a sua, trabalhando num lugar tão apático e frio quanto o que você mesmo trabalha. E pra quê? Sobrevivência? É só isso que eu busco, no meu dia-a-dia? Será que minha existência é tão sem motivo assim? A resposta mais óbvia é sim, mas claro, você se nega a aceitar. Chega ao trabalho. Seu chefe, já puto da vida com os problemas do lar (com os quais você não tem porra nenhuma a ver), te passa aquela descompostura por chegar atrasado. E você naquele ódio completo, mas calado. Calado porquê não quer perder esse emprego, que mesmo sendo um lixo, é sua única forma de não morrer de inanição. Talvez fosse até uma saída, mas não vem ao caso. O que importa é que seu inferno diário se enche com mais gasolina "ódio misantrópico", por causa do teu chefe. Hora de desistir? Ainda não! Vanos lá, 8 horas de trabalho praticamente ininterrupto, e você sai de lá com a impressão de que sua cabeça foi enfiada num moedor de carne, e sem anestesia. Nessa hora, teu termômetrozinho de putidão deve estar praticamente estourando, mas como sempre, tu se recusa a desistir e ligar o "foda-se". Até que chega aquela linda hora em que tu vai atravessar a rua e um carro passa na poça de água à tua frente e te batiza com aquela água pura e fresca direto do calçamento. Momento pensativo. Aquela paradinha de um segundo pra pensar antes de gritar todos os palavrões que tu conhece e jogar uma pedra no vidro do carro. Tu se segura, é claro, porquê tu teria que trabalhar umas 5 vidas pra pagar o vidro daquele carro importado. Então, com duzentos nós na garganta, tu chega em casa. A partir do momento que tu abre a porta, e vê o rosto de quem passou o dia todo te esperando, tudo muda. Você pensa: "Ela vale mais que tudo isso. Não preciso procurar motivos pra viver. Tudo que eu preciso é ela. TUDO". Sua esposa te abraça, te beija e te pergunta como foi o dia. E você não lembra mais, porque o rosto dela te faz esquecer de tudo. Você não hesita um segundo: pega-a no colo, sobe as escadas e a leva pro quarto, e lá esquece até mesmo seu nome, pois ela não te deixa espaço para mais nada. Sem motivos. Sem preocupações. Sem irritação. Só ela.

Taí um bom motivo pra viver...