Relato da minha consciência
A contraposição existente entre meu nome e meu pseudônimo, entre eu e eu mesmo, é a mesma que diz respeito à relação entre o forte e o fraco.
Eu já nem sei mais se sou o Vitor ou o Jack. Talvez eu seja os dois, ou talvez amanhã eu descubra um terceiro pseudônimo que me defina melhor, ou pior.
Mas como eu posso escrever sobre o meu próprio duplo caráter? Particularmente, nunca gostei de “autobiografias”, creio que uma pessoa só é capaz de se autodefinir quando está morta. É estranho, mas para mim (tanto eu sendo Jack ou Vitor) faz sentido.
Como minha consciência enxerga em mim dois indivíduos diferentes, vou deixar que ela própria defina cada um deles:
“Antes de começar, é importante avisar que tanto Jack quanto Vitor se admiram e se odeiam. Não posso dizer que são como duas faces de uma mesma moeda, pois ambos vivem se confrontando, batendo de frente. Por outro lado, muitas vezes um aconselha o outro, se completam (bem verdade, diga-se de passagem, que esses momentos de conciliação são raros).
A verdade é que o meu maior erro foi ter criado essa dualidade dentro de um mesmo ser. Criei duas almas muito fortes e muito diferentes. O ideal deles é quase sempre o mesmo, os sonhos são os mesmo, mas cada um tem sua própria forma de conseguir o que quer, o que me enlouquece (ora, que irônico: uma consciência louca!). O que consola a minha culpa, é fato de que essa mistura de caráteres me leva a acreditar cada vez mais em um resultado inusitado.
Mas vamos começar pelas compatibilidades, o que há de comum entre eles:
Como já disse, são ambos fortes, fato! Compartilham de um mesmo sonho: mudar o mundo. Compartilham do mesmo desejo: amar (ou ser amado, afinal, qual a diferença?). Concordam que existe algo muito errado no sistema em torno deles. Ambos amam o conhecimento.
Ora, como posso eu condenar à diferença duas pessoas (mesmo que sejam uma só) que têm traços em comum tão belos?
Vamos às diferenças:
Para mudar o mundo, Vitor sente insegurança. Quando percebe o tamanho do mundo acaba se prendendo dentro de fantasias em seus livros. Jack, por sua vez, tenta agir como um filtro, interpretando os livros e tentando germinar suas ideias pelo mundo. O problema é que Jack, mesmo tendo a imagem de “frio e calculista” como característica, muitas vezes age por impulso, enquanto Vitor, com seu medo, vai indo aos poucos. Verdade seja dita, essa diferença vem trabalhando bem até aqui, um motivando e regulando o outro.
Quanto ao amor, o maior problema é o que os outros enxergam. Muitos não entendem essa facilidade que o ser Jack/Vitor tem de se apegar pelas pessoas e em um instante depois se desprender delas. Na verdade, Vitor é o responsável por se apegar tanto e Jack o ator que faz os sentimentos sumirem. Diria Jack em sua defesa, que ele é cauteloso, e tenta livrar o Vitor do sofrimento. Vitor, por sua vez, diria que não tem culpa, diria que se apaixonou pela dona de cada beijou que experimentou, mas que por causa do Jack, teve que abandoná-las. (Quero pedir ao leitor que fique tranquilo, pois nem um nem outro são capazes de “esquecer” alguém, essa função cabe somente a mim, a consciência.).
Agora, ao que diz respeito à percepção de mundo, acho que muitos (mesmo que sendo um só dentro de si) iriam concordar com Jack/Vitor quando eles dizem que há algo errado na sociedade que os cercam. Eles dizem que há uma inversão de valores (dá-lhe Marx!) entre as pessoas. Os julgamentos se dão pelo que se tem, e não pelo que se é: um ser humano. A diferença aqui está na ação. Enquanto Vitor explica seus pontos de vista e tenta, por meio do diálogo, convencer o mundo de que há algo errado e está sempre disposto a ouvir diferentes opiniões, Jack estufa o peito e tenta impor suas ideias, sem se importar com os meios que vai utilizar para fazer isso, acredita que “os fins justificam os meios” (dá-lhe Maquiavel!). Diria Vitor que Jack é muito ignorante, e assim não vai chegar a lugar nenhum, já Jack acusaria Vitor de se tornar mais um alienado e diria que é impossível afetar o sistema sem feri-lo.
Sobre o conhecimento, bom, este não pertence a eles, pertence a mim, embora sejam eles que façam proveito disso em suas ações. Vitor é tímido, gosta de guardar o conhecimento e usá-lo só em ocasiões propícias, prefere ser reconhecido por outras qualidades (ou até mesmo defeitos) do que pela inteligência. Por outro lado, Jack procura mostrar sua força através do conhecimento que tem (ou que ele acha que tem). Não admite a ignorância, e acha que Vitor é fraco demais por evidenciá-la mais do que o conhecimento.
Pensando bem, acho que ter criado duas personalidades dentro de uma só pessoa não é uma particularidade minha. Não tenho muita intimidade com outras consciências, mas creio que todas criam uma bipolaridade para si. A única diferença, é que eu criei pseudônimos para as minhas.” – Consciência.