- Me pego só...
Me pego só, sentando defronte a um grande oceano, acenando para uma criança que se vai distante, num barquinho de papel; o sorriso do menino é tão parecido com o meu, mas contém tanta inocência, tanta sabedoria.
O menino se vai com o barquinho, cercado por águas turvas que impulsiona o pequeno barco a seguir mais e mais depressa.
Me pego só, preso em correntes e há um grande espelho diante de mim, e as imagens que refletem são de um tempo antigo, onde eu fora criança. Os olhos atordoados de um menino se fazem naquele espelho, os braços pequenos, a incapacidade aparente; e o menino observa a toda aquela cena sem se quer derramar uma lágrima, então estou solto e sou o menino, mas o tempo corre...
Me pego a olhar um casal de idosos no banco da praça; tão romântico, tão trivial e tão extinto que chego a invejar aqueles pobres infelizes, que nem ao menos desconfiam da minha existência; Peço perdão aos céus por aquele crime e me vou por entre os becos e vielas; mas uma noite se passou e continuo ponderando sobre o certo e o errado.
Me pego a olhar uma antiga fotografia de velhos amigos. Amigos que hoje nem me recordo mais, e é inconfundível a felicidade contida naquela imagem; é verdade o que dizem, “ás fotos falam mais do que podemos assimilar”.
Rasgo a fotografia e jogos seus pedaços na fogueira que queima logo atrás de mim.
Então levanto do meu repouso, acendo um cigarro na fogueira que já está a morrer e o vejo queimar...
Assisto aos poucos minutos de vida que aquele pobre misto de tabaco e nicotina possui; enfim ele desfalece em formato de pura guimba, seu fedor ainda paira sobre o ar, mas pouco a pouco é disperso, a fumaça se torna nada e o cheiro se torna brisa leve.
Me pego a saborear outro nascer do sol, lá do lado Leste como de costume, vejo à linha do intangível formando-se na minha frente, fortificando-se como é de seu feitio; então prontamente a desfaço; “Não, essa manhã será surreal” digo a mim mesmo e tento acreditar na minha própria mentira, a verdade é que os dias andam sendo os mesmos monótonos de sempre.
Me pego a ouvir uma velha música, amaldiçoada por mim diversas vezes;
"Take my heart and / Please don't break it
Love was made from me and you."
(Frank Sinatra – L.O.V.E)
E por aqui encero minha tristeza.