Ainda tenho fé de um dia isso melhorar, trechos de um Romance

Dentro do presídio eu conheci um companheiro que viria a ser o meu braço direito lá dentro nas lutas e provas, ele tinha uma historia incrível então eu fiz um convite a ele participar desse livro com o seu depoimento.

Esse companheiro já vem sofrendo desde 1996 dentro das prisões, e quando ele ficou sabendo do projeto desse livro foi com alegria que aceitou o convite, mudaremos o seu nome para medidas de segurança, ele ainda continua preso em alguma penitenciaria, é essas são as suas palavras sem mudar uma vírgula:

Eu, no auge dos meus 27 anos de idade, tenho conhecido muitas pessoas e no meio destas inúmeras pessoas, eu conheci um homem brilhante que por sinal tornou-se um grande amigo, que padeceu por abusos de autoridades, se tornando vitima da injustiça, tendo presenciado injustiças por causa do nosso código penal brasileiro teve uma idéia brilhante de escrever esse ilustre livro.

Já passados um pouco mais de oito anos que vivo dentro de uma prisão, também tenho visto muitas vitimas da incompetência, vitimas do estado e do poder.

Vejo que isso já vem de anos, e o que me parece o interesse de mudar esse trágico quadro é de poucos. Recebi um convite desse grande amigo meu para ser participante deste livro, retratando a realidade amarga que tanto escondem atrás,s de uma cortina.

Sou nascido de uma família bastante humilde, pra dizer a verdade, pobre.

Cresci sem o conforto que muitos nos dias de hoje gozam e desde pequeno comecei a conhecer o sofrimento, mas nada comparado com o sofrimento que iria viver anos depois.

Sempre estudando, mas sem nenhuma perspectiva de vida por causa das condições que vivíamos. Nesta de viver sem nenhum objetivo, acabei conhecendo o lado escuro da vida, se envolvendo com as drogas, com pessoas criminosas e nos meus 18 anos de idade, fui preso.

Começou o sofrimento!

Eu morava com os meus pais e mais nove irmãos, dentro de uma casa com quatro cômodos e um banheiro e achava pequeno.dentro da prisão, passei a morar dentro de uma cela de quatro metros quadrados, com trinta homens que eu nunca vi na vida.Ali comecei a enxergar o quanto à justiça é insensível e cega.Adolescentes que roubavam um litro de bebida cumprindo pena com homens criminosos e assassinos.

Uma cela separada na cadeia considerada um seguro para os artigos 213 e 214, separado pelo fato de ser crime discriminado no sistema. Digo separado, mas na verdade, todos os aprisionados tinham o acesso para o maltratarem, o espancar, cheguei a ver até homens ser introduzidos por cabos de vassouras, água fervendo serem jogados nos seus corpos: já não bastavam essas grades, condenações altas sobre suas costas e ainda tem que viver desse jeito!Meu Deus!

As autoridades na cadeia?Sabiam de tudo e nada faziam em prol dessa violência.

Nesse intermédio, veio a minha condenação fui condenado a 20 anos de reclusão no assalto e dois anos depois outra condenação de 6 anos de reclusão pelo homicídio, após um longo júri.

Nisso já estava com muitos anos de condenação, convivendo com homens escravos da maldade, cheguei a pensar que jamais sairia vivo deste lugar.

É 1996, estou no começo do cumprimento de minha pena, estou dentro de um escuro sem saber o que vai acontecer, ainda tenho muitos anos pela frente e não sei o que vou ver e o que vou passar.isso me assusta.

Já passados quase dois anos é 1998, estou em outra cadeia; em São Paulo, mal sabia eu o que iria passar nessa cadeia.

Eu fui levado para uma sala onde doutores e homens influentes, prestigiados pela sociedade, me esperavam para me dar um pau daqueles.

Fui jogado para dentro da cadeia e novamente estou dentro de uma cela com 30 homens. Pessoas dormindo sentado no banheiro por falta de espaço, homens dormindo no chão duro e gelado por falta de colchões, mais isso não é só, eu estava dentro de um inferno.

Logo na primeira noite que passei nessa cadeia, fui vitima de um grande abuso homens com fardas honrosas, entraram na cadeia atirando sem motivo, nos espancando até as dez horas da noite e isso era continuo. Meu Deus.

Chegou um momento que não agüentei mais, na cadeia tinha uma cela (X2) que nesses momentos de horrores era privilegiada pelo fato de ser uma cela de cristãos. Eu que morava no X3, rápido dei um jeito e fui morar com os irmãos do X2.

Mais uma vez o inferno começou muitos tiros dados no pátio da cadeia, contra as paredes a ponto de nos deixar surdo, logo em seguida, tiraram o X1, e houve muitos gritos; tiraram o X3, e houve muitos gritos; tiraram o X4, e houve muitos gritos, tiraram o X5, e mais gritos e pensando eu que tudo já estava terminado novamente o X3, e o espancaram e logo em seguida sentiram a minha falta.

Gritaram bel alto para eu me apresentar, caso contrario a surra seria dobrada. Se apresentando fui tirado do X2, como vim ao mundo nu, de baixo de muitos acoites me jogaram novamente no X3, e diziam que o meu lugar não era no meio dos irmãos.

Os dias sombrios se passavam e eu, dentro daquele inferno perdido no meio daquela cela, olhava para os semblantes dos companheiros e via o medo de morrer estampado em suas faces, um verdadeiro mundo sem regras, onde o filho chora e a mãe não vê.

Passados os dias novamente começa a tempestade, policiais mascarados estão no pátio da cadeia invocando o próprio diabo para nos assustar, logo em seguida começa tudo de novo.

Esse foi um dos piores dias da minha vida, dois jovens baleados dentro da minha cela, gritando por socorro.

Infelizmente o socorro estava bem longe, no outro dia bem cedo o jovem de ferimento mais grave foi tirado da cela, levado pelos policiais e nunca mais o vi.

Me vi sem saída não sabia o que fazer, o desespero, a angustia dia e noite passou a morar dentro de mim, porque não conseguia enxergar o fim.nisso, eu me lembrei que existia um DEeus no céu e dobrando os meus joelhos no banheiro da cela, eu disse:

‘Deus de meu pai e Deus de minha mãe, eu não agüento mais essa vida, se o senhor me ajudar e me tirar daqui eu irei te servir de um coração sincero nessa terra’.

Disse essas palavras porque meus queridos pais são cristãos, sempre me levavam na igreja quando eu era pequeno e isso me fez lembrar.

Deus é minha única esperança e se Deus não aparecer eu não sei o que será de mim.

Passa os dias e as coisas vão de mal a pior, dessa vez fomos colocados, colados um no outro junto a parede do pátio e ali fomos pisoteados na cabeça porque os policiais andavam por cima de nós nos chamando de lixo e emprestáveis.

Tanto se fala em regeneração, como? Na cela onde vivo, vejo homens cheio de medo e revoltas porque tem vivido um dia amargo do que o outro. Estou numa cela onde a maioria é jovem, pessoas que foram vitimas da nossa política, que só sabem criar presídios e leis pesadas como a dos hediondos e esquecem das crianças que hoje crescem.

Essas crianças esquecidas e abandonadas pela nossa política, com certeza estarão ocupando esses muitos presídios que hoje fazem.

Ainda estou nessa cadeia de São Paulo, estou rogando a misericórdia de Deus dia e noite, porque já estou esgotado até que, as 08h00min da manha chega a minha transferência.

Fui levado para um presídio, o famoso Carandiru, saí de um inferno para entrar num outro inferno, mas tudo o que eu queria era sair daquela cadeia.

A pressão, a tortura era tanta que eu achei que iria enlouquecer, Deus ouviu e atendeu os meus inúmeros pedidos de socorro, e agora que chegou a hora de eu cumprir com o meu destino.

Chegando nesse presídio imenso, logo rasparam a minha cabeça e me colocaram no pior dos pavilhões: o pavilhão 9.

Cheguei nesse pavilhão, fui morar no quarto andar do prédio, numa cela de cristãos, graças a Deus um pouco do pesadelo acabou; estou morando numa cela com doze homens de pensamentos bons, homens que não deixaram o ódio e a revolta invadir seus corações e estavam ali; totalmente arrependidos dos seus passados, buscando a força divina do céu para vencer.

Apesar de estar morando dentro de uma cela cheia de paz, o presídio tem um ritmo bastante acelerado, muitas pessoas sem objetivo, praticando maldades, todos os dias ter que escutar que fulano morreu em tal andar ou até mesmo ver a cena mais incrível que vi nos meus dias aprisionados, foi o dia em que um diretor do nosso pavilhão chamou todos no pátio desse inferno e disse:

Essas foram as suas palavras: sei que é impossível controlar esse presídio e mais difícil ainda é regenerar vocês, até porque o presídio não oferece nenhuma condição.

Se vocês quiserem ‘matar, podem matar a vontade desde que apareça um elemento para assinar’ essas foram às palavras de um Diretor do presídio.

Eu ouvi aquilo e fiquei pensando e pasmo.

Meu Deus! Onde eu estou?

Graças a Deus, no meio de tanta maldade e violência eu achei homens com vontade de vencer.

Homens que apesar de ter errado um dia, tinha a consciência que ainda era importante para alguém.

Uma dádiva do céu, uma escola de musica dentro do presídio administrada pela igreja. Eu, com a imensa vontade de ser um vencedor, dei o primeiro passo; comecei estudando a musica, passou poucos meses, lá estava eu sentado na orquestra que a igreja tinha, louvando aquele a quem me deu esperança e o desejo de vencer.

Aos poucos estou percebendo mudanças no meu interior, a musica está me fazendo muito bem.

Deus é a minha única fonte de inspiração, não posso olhar para os lados porque pessoas estão se destruindo por espaço, morrendo por uma dependência. Não posso olhar para os lados porque vou começar a ver mães chorando pelos seus adolescentes que estão padecendo dentro deste lugar, aonde veio pagar por um erro e não conseguiu sair: ‘a morte não deixou’.

Um acontecido que nunca esquecerei. Um absurdo!

O alvará de liberdade chegou dois dias atrás e não o soltaram. Esse pobre homem que morava no pavilhão 9, foi morto em um motim sem apalpar o seu alvará.meu Deus! Essa vida já era.

Apesar de estar privado, meus pais estão contentes porque estão vendo o seu filho mais velho com vontade de vencer.

Tudo o que vejo não me abate porque a vontade de ser vitorioso é grande. Tudo isso devo a Deus porque por onde passei, pelo o que eu tenho visto com os meus próprios olhos e sendo vitima de muitas injustiças, teria se tornado os piores dos monstros, como a sociedade diz.

Certa vez quando fui sumariar (depor no fórum) indo a um fórum a um júri popular, pelo fato de um policial ter presumido uma tentativa de fuga eu fui levado para um quarto e ali, fui espancado até perder os sentidos e desmaiar. Quando eu acordei estava jogado no chão em um pátio de frente a uma cela.

Não falo isso para que tenham pena de mim, ou até mesmo algum tipo de dó, o intento é outro, é provar que o sistema do jeito que está nunca mudará ninguém.

Hoje o individuo entra num simples ato infracional e sai com o desejo insaciável de matar e roubar, o que nem passava pela sua mente.

Nesse presídio ‘Carandiru’, fiquei até o ano de 2000, nesse mesmo ano fui transferido para a penitenciaria de Sorocaba e novamente, morando na cela com os homens cristãos. Não quero me misturar, pois me sinto limpo.

Passado algum tempo, conheci esse grande amigo que teve essa brilhante idéia de escrever esse livro. Juntos nos tornamos os responsáveis pela igreja dentro desse presídio e a musica que me foi uma grande companheira no Carandiru, novamente está no meu caminho, temos uma escola de musica administrada pela igreja e isso tem sido bastante gratificante.Deus tem feito prosperar esse trabalho.

Temos uma orquestra maravilhosa, composta por internos o qual, até o presente momento (22-04-2005) sou um dos responsáveis, um bom numero de internos aprendendo a musica e isso, tem despertado a diretoria desse presídio na criação de um projeto já aprovado: ’uma banda para fim de celebrações, tocando musicas cívicas.

Tantos momentos de horrores sucederam na minha vida e hoje, acontecendo coisas boas. Eu tenho a plena certeza que esse ilustre livro, não é luta por vangloria até mesmo honraria.

Apesar de o quadro ser bem critico quando se fala do sistema, é possível sim uma mudança.

Hoje me encontro regenerado, com uma vontade imensa de terminar os meus estudos para cursar uma faculdade já que o primeiro grau eu tenho terminado dentro do presídio e no presente momento, curso o segundo grau.

Nessa altura surge varias perguntas:

Como é que eu vou sair daqui com essa terrível condenação no hediondo?quando é que terei uma oportunidade de voltar a viver?Hoje o sistema esta lotada, não vejo onde caber mais gente e tudo o que fazem, é construir novos presídios e leis pesadas que nos condenam perpetuamente.

Hoje, estou com 27anos de idade e dois terços de minha pena, só chegará nos meus 35 anos de idade.

Às vezes me pergunto se algum dia irão olhar para nós? Sou grato a Deus porque tudo que passei isso me deu e sempre me dará mais forças para vencer, serei um vitorioso, porque Deus é justo.

Luimarcondes
Enviado por Luimarcondes em 02/06/2011
Reeditado em 02/06/2011
Código do texto: T3009734