Problema

Veja bem, há essa donzela que mora no alto de uma montanha. Ali se encontra sua casinha, com janelas brancas. Ela vive ali, feliz e protegida.

No chão de sua sala há grama verde e botões de flores que ela rega com zelo, assim as flores se abrem de alegria, não pela água, mas pelo carinho intenso que a dama tem pelos seus, pelo carinho que apresenta. No arbusto do lado do sofá mora um pássaro, branco e vermelho que é a alma da moça e quando o pássaro voa pela colina, as flores da floresta ao redor desabrocham e para proteger a fragilidade dessas flores há pequenas paredes de vidro.

Ali, veja você, está um pequeno cantor, junto de sua banda solitária, fazendo música pela floresta escura e triste, quando as flores desabrocham e eles percebem haver mais alguém ali.

O cantor tem um cavalo que costumava montar, mas geralmente ele só fazia besteira quando isso acontecia, então hoje o cavalo puxa uma carroça, sobre a qual toca a banda. A carroça nunca pode parar.

"O que é isso?" Pergunta o cantor, ao chegar perto da monanha, pois ali viviam muitas pessoas. As pessoas chegavam perto da montanha e quando viam que a grama era verde e as árvores davam frutos, ali faziam suas casas, plantavam e colhiam sua comida, mas embora a donzela tomasse conhecimento deles e sabia que dela dependia a existência das pessoas, lá no fundo sabia que o que ela fazia era apenas cuidar dos seus, em sua casa, com seu tapete verde. Mas as pessoas se achegavam mesmo assim e cercavam seus filhos, suas casas, suas ferramentas, com as mesmas proteções das rosas e assim viviam livres das intempéries.

Mas veja bem, você, que o inesperado aconteceu - na verdade nada que fosse tão inesperado, mas é o tipo de coisa que acontece e fingimos que dessa vez vai dar certo -, pois assim que a carroça chegou perto da colina, os sons se transformavam em notas muscais que criavam asas e voavam pelo ar.

Claro que isso poderia ser uma catástrofe, se alguém ouvisse a música da banda, mas a carroça não podia parar, então eles continuaram.

Havia certa esperança de que nada de ruim acontecesse, pois o que o cantor dizia não chegava aos ouvidos das pessoas, pois todas as palavras eram guardadas em papéis de telegrama, dobrados e bem escondidos, assim eles poderiam passar despercebidos.

Eles viram quando um pássaro branco e vermelho veio espionar a carroça e roubou um dos telegramas e até quiseram voltar atrás e tentar impedir que alguém lesse, mas agora estavam cálidos e protegidos em suas armaduras transparentes, como todos ali ao redor, e não queriam mais abandonar aquele conforto, então ficaram. Mas o que eles não viram foi que toda a música em notas que voava pela colina resolveu atender ao desejo do cantor e perseguiu o pássaro pela montanha, tentando devolver o telegrama roubado.

Quando o pássaro chegou de volta em casa a moça o leu e achou linda a palavra do pequeno cantor, e quando viu as notas achou lindo o som da banda solitária, mas a música acançou de forma intempestiva, aglomerou-se e formou um pássaro maior que o da moça, e era um pássaro negro, como o são as notas musicais, e esse pássaro voou pela montanha e fez chover a tristeza de todos os anos de solidão expressa naquelas notas.

Ninguém podia ser afetado, pois estavam bem protegidos dentro de seus vidros transparentes, entretanto, o pássaro branco foi molhado pela chuva e se tornou negro, e suas penas molhadas mal o permitiam voar.

Todos correram para a montanha para perguntar o que havia acontecido à moça, mas ao chegarem lá viram o pequeno pássaro, que antes era branco, agora muito mudado e tiveram medo. O pássaro queria mostrar que ainda era o mesmo, que ainda podia voar, mas tão pesado estava, tanta força fez para sair do chão, que de suas asas eram criadas tempestades e furacões que jogavam as pessoas para longe da casa, para longe da montanha, e o vidro não resistiu.

O cantor viu o céu se enegrecer e sabia o que tinha feito; mesmo sem ter montado em seu cavalo ele havia causado confusão e as pessoas de novo iriam se machucar.

Já não bastasse a confusão que causou, o cantor simplesmente continuou a marcha e se afastou da vila, sem dizer nada, sem dar explicações, porque a carroça não podia nunca parar.

"Só espero que ao menos um desses furacões seja aquele que vai levar nossa casinha perfeita, do alto da colina para um bairro perfeito, onde você possa morar. Onde você possa descansar, sem tanta gente dependendo de você. E espero que ainda tenha espaço pra mim debaixo do seu edredom. Que você tenha duas taças de vinho. E que, quem sabe um dia, eu não cause tantos problemas.

Amo você.

Me desculpe por tudo."