Hoje eu resolvi correr…

Hoje, eu resolvi correr. Correr para sentir o vento no rosto e o suor escorrendo pela minha pele. Meu corpo precisava disto, precisava desta liberdade, correr sem destino, sem rumo, sem tempo... O sol já estava baixo, mas suficientemente radiante para me deixar leve, leve como meus pensamentos... Nesta época – primavera –, as ruas estão lindas, floridas, perfumadas. Por alguns instantes, tive a impressão de que meus passos eram marcados pelo canto dos pássaros – doce delírio de quem voa alto com eles! Continuei correndo. Dobrei algumas esquinas e tracei uma estranha ligação entre a liberdade daqueles pássaros e as casas sem grades nem muros, entre os esquilos que via pelas praças e as crianças que nelas brincavam, entre a multicolorida beleza das tulipas e a onipresença dos pequenos dentes-de-leão. Não estava cansado, acho que o clima daqui me faz bem. Pensei no meu país, tentei uma poesia, algo como: “Oh Brasil! / O que fizeram com você? / Onde está a sua alma, a sua identidade? / Por que seus filhos não se respeitam? / Por que não te respeitam?”. Desisti. Achei piegas, não estava inspirado. Ainda corria, mas não contra o tempo. Pensei nele e em sua absoluta relatividade. Não sabia que horas eram, apenas sentia o sol, poente, e o perfume das intermináveis flores. Acho que eu voava com os pássaros, ou estes comigo, não tenho certeza (estes meus delírios...). Cheguei a um parque e parei. Caminhei até o gramado e deitei. Em uma completa distração, observava um esquilo na árvore ao lado, agitado, inquieto, movimentando sua calda como se quisesse jogar algo em alguém. E acho que realmente queria: em um gato que o esperava tranquilamente ao pé da árvore. Uma bola passou rápida próxima à minha cabeça e, atrás dela, duas crianças. Elas rolavam na grama, agarravam-se, brincavam. Uma era negra, a outra, branca. E falavam a linguagem universal e indecifrável das crianças: o riso. Pensei no quanto tínhamos a aprender com elas, e também com a sagacidade do gato, o qual sabia que, cedo ou tarde, o esquilo teria que descer. Pensei na contradição que é aprender com as crianças algo que um dia já soubemos, e que, por algum motivo, não sabemos mais. Eh!, acho que eu precisava mesmo correr. Meu corpo precisava extravasar a energia, da mesma forma que minha mente precisava extravasar os pensamentos, com a diferença que aquele se cansou, enquanto esta não me deixa dormir...

Montreal, 20 de maio de 2011.