O Barulho de Dentro
O silêncio de fora não agrada o barulho de dentro. O dentro quer ser e ter o silêncio de fora, mas é dominado pelo barulho. Não um barulho alto e difuso, com um tiro, tampouco abafado e surdino como um vibrato. Um, apenas, barulho.
Desconexo. Alto o suficiente para ensurdecer. Baixo o suficiente para enlouquecer. Intenso, a ponto de cegar. E ando sem rumo, procurando calar, com o ruído de fora, o barulho de dentro. Em meio as avenidas de cem decibéis, não sofro. O de dentro ignora, e persiste.
Enfio a cabeça no travesseiro e grito. Tento expelir o barulho de dentro num grito demente e inexprimível. Quando acaba o fôlego, surpresa: o barulho de dentro persiste e perfura o peito. Embrulha o estômago. Ponho-me em pé, olho pro teto e giro, desenfreado; e grito, desesperado. As ondas do barulho difuso ricocheteiam nas paredes de fora e voltam para dentro, acertando em cheio meus ouvidos. Náuseas.
Exausto e exasperado, volto a caminhar sem ter pra onde ir. Gasto o que não tenho: ânimo, tempo, tênis, grana, tudo pra calar o dentro. Engulo comida seca e de plástico, sem ter fome, torcendo para que o ruído de mastigar supere o barulho de dentro. O estômago, já antes embrulhado, enraivece e queima de ódio. Triunfante, o barulho de dentro comemora.
Apelo aos doidos vagabundos, maestros do barulho ordenado, músicos e musicistas, letristas e instrumentistas, que me cuspam nos ouvidos seus maiores disparates. Já funcionou antes. Mas não agora. As rimas, os compassos, trocadilhos e palíndromos se tornam apenas mais outros andarilhos, ciganos infernais, adeptos ao barulho de dentro.
Desisto. Atiro a mochila ao chão, como quem joga a toalha no ringue. Que me consuma esse barulho desordenado, desenfreado, desnecessário. Que eu exploda em frases feitas, de efeito, notas musicais, palavrões e equações e desaforos! Que eu todo me transforme em barulho, já não me importo. Que seja eu o desordenado, descontrolado e importuno!
Altruísta, no último suspiro de minha angústia, a mochila vomita um caderno e uma caneta. Rastejo até alcançá-los. Ao simples abrir em qualquer folha em branco e destampar a esferográfica preta, o barulho de dentro começa a tomar forma. A se revoltar contra o silêncio de fora, mas ordenadamente, como um exército sonoro. A mão avança no papel e o que era barulho de dentro se faz calma e sossego. E o que era papel branco, agora é o caos ordenados que lês.
William G. Sampaio [25/04/2011]