sono
O sono atravessa o dia vislumbrando estabelecer um pacto com aqueles que não sentem muito sua falta.
O sono vem então apresentando argumentos. Sentado em sua poltrona favorita, imaginando-se estar diante um tribunal específico e cercado por jurados renomados, o sono prepara-se para disparar sua metralhadora para cima dos insonolentos.
"Quem gosta de mim vive melhor; quem gosta de mim, aumenta sua capacidade de memorizar informações preciosas em seu órgão racional; quem gosta de mim, gosta da vida".
A fim de refutar as falácias sonolentas, os insolentes, digo, os insonolentos, alegam que a vida é muito mais além da abstração presumida no produto vendido pelo sono. Alegam que o sono prega muitas peças, é um brincalhão que ilude a todos com truques baratos dignos daqueles mágicos decadentes de circos que circulam o circuito do interior do Mato Grosso. Alegam que o sono, na verdade, odeia a vida.
"Esse produto que o senhor sono vem nos vender é absurdamente imaterial. O sonho é um engodo. O sonho é como o elixir da juventude eterna, nos faz acreditar numa história, vivemos a história na crença de que ela vai se concretizar e, no fim das contas, a subjetividade da abstração ilusionista vem com tudo e produz a frustração. O sono é um mal comerciante. Vem a séculos nos manipulando quando escurece, fica nos forçando para comprar seu produto usando de táticas capitalistas mesmo antes dos capitalistas se auto-denominarem capitalistas: imprime uma força razoável sobre nossas pupilas, nos embriaga de tal modo que rimos como tolos antes que o sono nos pegue, realiza artes marciais nos derrubando pelos cantos ou, ainda, nos fazendo passar vergonha em público quando ficamos por aí (como dizem) pescando pelas bordas. O sono é cruelmente insensato, ataca a todos: homens, mulheres e, sobretudo, idosos e crianças - já que estes grupos não possuem lá muita noção de vida".
O sono reage. É um lutador. Vem vencendo os tribunais a cerca de alguns giga anos desde que chegou no planeta de atmosfera azulada. O sono fez um belo pacto com os felinos, mas uma de suas melhores aquisições foi o trato bem amarrado com os ursos: o pacote de inverno é um sucesso a cerca de 200 e poucos mil anos.
Mas o sono continua investindo no ser humano, embora a concorrência tenha chegado ferozmente nos últimos 100 ou 200 anos. Primeiro a boemia, uma grande senhora persuasiva cujo público alvo são os jovens; seu pacote também consiste na noite, de modo que é uma das principais ameaças ao sono. O carnaval é um concorrente paraquedista, já que surge vez e outra...é um péssimo negociador: quando tentou negociar com os ursos foi expulso do hemisfério norte, sendo portanto erradicado no hemisfério sul - mais precisamente na terra brasilis. E a mais recente concorrência que plagiou a senhora boemia, a balada, cujos pressupostos residem no mesmo destino da boemia (vida noturna) possui mais elementos persuasivos contra o sono. Possui uma abordagem moderna que também busca o público jovem como alvo fundamental. Tem tentado negociar com os morcegos, mas estes prerem a liberdade noturna, não querem ser clientes de mais um comerciante chato (já compraram o pacote mais barato diurno do velho sono).
Pois é, o sono continua imbatível, apesar da concorrência, com sua deslealdade capitalista, conforme apontam elegantemente os insonolentos. Mesmo assim a tecnologia do sono é avançada, de modo que ele está agora mesmo me tomando de assalto e......meu deus......é mais forte que........enf......