ENSAIOS E AFORISMOS – 19
CARTA DE UMA TERRA DISTANTE:
Caro Toslitrekov:
É com imensa saudade de todos que envio tal missiva.
Viajar quase sempre nos acrescenta conhecimento. Estou como sabes, numa terra distante e estranha, poucos de nós a conhece e cabe-me registrar aqui algumas particularidades que a torna tão mais distante ainda de nossa pátria, chegando tal distância à medidas planetárias se compreendermos como loucuras as diferenças que aqui encontrei. Aspectos sociológicos estranhíssimos; veja alguns:
CARTA DE UMA TERRA DISTANTE:
Caro Toslitrekov:
É com imensa saudade de todos que envio tal missiva.
Viajar quase sempre nos acrescenta conhecimento. Estou como sabes, numa terra distante e estranha, poucos de nós a conhece e cabe-me registrar aqui algumas particularidades que a torna tão mais distante ainda de nossa pátria, chegando tal distância à medidas planetárias se compreendermos como loucuras as diferenças que aqui encontrei. Aspectos sociológicos estranhíssimos; veja alguns:
- a maioria das mulheres daqui passa a vida toda em gastos com produtos que evitariam o envelhecimento e quando envelhecem mal percebem a inutilidade que existe em passar os anos dourados da juventude já preocupadas com a velhice. É uma forma de se manterem desejadas e serem bem sucedidas financeiramente sem ter a obrigação de se tornarem cultas, pois aqui a beleza física é suficiente. Como sabes, os homens em nossa terra primam pelas mulheres belamente cultas, prendadas nas ciências, já aqui, inverte-se tal valor de forma abrupta numa velocidade cada vez mais acelerada, conforme notei ao folhear alguns livros de história deles. Hoje existem empresas enormes, que vivem da venda de produtos da tal “beleza” por eles assim compreendida, envolvendo multidões que posam, desfilam, fotografam-se, seguram bandeiras, figuram encontros e festas para a propagação de suas produções. Surgindo daí um leque enorme de novas profissões, algumas esquisitas e dispensáveis, porém em voga e concorridas, como a de CONSULTORIA DE MODA.
- um tal país dessa região vive numa alteração de valores absurda. A influência vem em parte de alguns meios de comunicação. Um exemplo claro: tal país será em poucos anos, membro do grupo dos maiores produtores de petróleo. Foi esse país durante anos importador de combustíveis e se tornara recentemente auto-suficiente. Agora com a descoberta de um grande campo petrolífero, constrói o número recorde de plataformas e em pouco será um dos maiores produtores. Isso traz logicamente benefícios a toda a população, como acontece nos países do oriente. Pois bem, comemora-se? Poucos sabem do fato. Quem sabe, sabe superficialmente. Ninguém vibra com as conquistas realmente benéficas de tal nação. O país veste as cores do mesmo, sai às ruas, toca instrumentos, dança, comemora apenas EVENTOS ESPORTIVOS, e se o país ganha alguma mísera medalha, aparece o espírito patriótico. Apenas em ocasião assim; noutras, de importância vital ao desenvolvimento, ninguém chega a comentar. Inversão de valores. A mídia dedica dias e mais dias para comentar campeonatos e em pequenas notas noticia assuntos sérios e de essência vital. Poucos se preocupam de verdade com o futuro de seus filhos. Basta que o país ganhe mais uma Copa do Mundo de Futebol (um tipo de esporte muito assistido aqui), e tudo está ótimo. Que lugar esquisito!
- a tecnologia deles está muito desenvolvida. Mantém-se na extração de minérios, da fauna e da flora sem que ocorra uma “reposição” que acompanhe equitativamente aquilo que retiram. Transformam tudo que encontram em aparatos quase que descartáveis, cada vez menos duráveis, porém mais acessíveis pela mão de obra barata e cada vez mais complexos e completos. Vivem em um momento de prazer e diversão nunca antes vivido em sua história.
Esgota-se a água, a terra e os seres vivos no intuito de promover tal revolução tecnológica. É uma louca corrida comercial onde vence apenas o preço final de seus produtos, não importando os materiais utilizados, a proveniência, os meios utilizados e o desgaste físico e mental envolvidos em sua fabricação. Vivem na era dos robôs e no desprezo total das relações humanas e sociais, contudo que uns poucos enriqueçam.
Não se sabe até aonde irão e tampouco existe tal preocupação, pois vivem o hoje e a semana que vem no máximo.
Aqueles que não possuem tais aparelhos e inovações são de alguma forma isolados como que não fossem humanos e os “humanos” da realidade atual em que vivem são pessoas “virtuais”; um vazio e um frio tremelicar que anuncia o apocalipse aparentemente nunca antes tão visível.
Outras coisas, meu caro Toslitrekov, lhe explicaria melhor com demonstrações visuais. Espero que nessa resumida carta eu tenha conseguido lhe convencer de que não temos muito que reclamar de nossa vida, de nossa sociedade e que nossas prioridades estão num caminho mais tranquilo para o futuro.
Com afeto,
Salno Enfiricus,
de uma terra distante e estranha.