Entre loucos

Mergulhado no céu escuro, vejo a chuva cair por cima da minha cabeça, tocando em tudo. Vejo pessoas a tentarem fugir inutilmente. Ignoro-as, e ali fico de olhos postos no limiar do horizonte enquanto a minha mente viaja pelos intervalos das gotas. E penso.

Estou grato por estar vivo. Puder apreciar a grandeza do nosso mundo, faz-me sentir tão pequeno... tão insignificante, como um minúsculo grão de areia numa praia que se estende até ao infinito. E apercebo-me da sorte que tenho por testemunhar tamanha beleza. Apercebo-me que a eternidade é um mito. Então pergunto-me...

O que significa viver? Será possível atingir um estado de total satisfação, ou será a ganância um demónio imortal e insaciável?

Não tenho resposta, mas compreendo que viver é fácil. No entanto, ela é-nos dificultada por obstáculos: os outros. Ora, se a Vida é compreendida como uma simples e delirante passagem, porquê complicá-la?

Sinto-me à deriva num mar subordinado à impiedosa tempestade que treme com o meu mundo. Perdido num mundo governado por loucos.

Pergunto-me se existe realmente plena sanidade. Não seremos todos, pelo menos, um pouco malucos?

Acordo por uns instantes. A chuva parou e o Sol tenta desesperadamente romper por entre as nuvens. O livro que levo nas mãos está completamente encharcado, ilegível. Sento-me num banco de jardim e pouso-o no meu colo, novamente preso nos meus pensamentos de olhos postos no título, agora impossível de decifrar. As gotas pingam do meu cabelo, caindo sobre as minhas mãos, escorrendo pelos dedos. Oiço os pássaros cantar por entre os pinheiros.

De olhos fechados, passa-me todo um mundo à frente, erodido pelo preconceito, pelo egoísmo, pela hipocrisia, pela coscuvilhice. O stress controla a vida dos outros, vinte e quatro horas por dia. O preconceito torna-os mesquinhas. Porquê? Estamos no século XXI certo?

Não percebo... se a vida é temporária, porquê desperdiçá-la com pormenores? Se pudemos viver livres, despreocupados, porquê dedicá-la a prejudicar o próximo? Não chamo a isso "viver". Somos donos de nós próprios, não devemos justificações a ninguém. Assim como também não temos o direito de nos meter na vida dos outros, muito menos de a controlar. Se cada um seguisse o seu caminho despreocupadamente, então poderíamos chegar ao verdadeiro estado de felicidade e auto-realização. Mas o Homem não é perfeito... quando o nosso santuário cede, os demónios interiores surgem, trazendo consigo o pior da nossa essência. Resta-nos rastejar ao encontro da Fé, daquilo em que acreditamos, para que os nossos valores e ideais triunfem e assim possamos continuar a ver a luz do dia, escapando a uma vertiginosa queda no Abismo.

E assim vivemos inevitavelmente os nossos dias, limitamo-nos à nossa mera existência, sem quaisquer evidências de pudor. Noto arrependimento nos olhares, e um estranho sentimento de conformidade. Um desinquietante prazer em contradição que me deixa confuso. Mas não é isso que eu quero...

Não sei se o mundo mudará algum dia, mas eu quero VIVER. Posso?

Talvez uma epifania seja a resposta às minhas dúvidas, mas isto sou eu a divagar.

Suspiro. Volto para casa, deixando o livro para trás.

Hugo Ricardo
Enviado por Hugo Ricardo em 01/05/2011
Código do texto: T2942815
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