Seguir em frente.
Deita no sofá e vira de cabeça pra baixo. Prefere a vida ao avesso. Quem sabe assim não consegue entender? Levanta, passeia, tenta compreender. Tudo parece estranho de mais pra se classificar. Parece que nem tem limite. Lembra do gosto de sorvete gelado que ainda tem na boca, e fecha os olhos querendo sentir de novo o gosto daquele chocolate que venceu na geladeira. Sente falta de antigos amores, lembranças perdidas. O coração está meio partido de sempre acreditar e nada receber em troca, os olhos estão meio queimados por lágrimas. Todas aquelas promessas lhe vêm à mente, todos aqueles momentos especiais que pareciam ser eternos. Nada mais faz sentido. O Sol continua brilhando lá fora, mas isso não muda nada. Dentro de si, a escuridão é maior do que qualquer brilho que venha de fora. As palavras estavam se perdendo, os sentimentos estavam em uma terrível confusão. Olha para cima, na inútil tentativa de encontrar algo que lhe desse um motivo para seguir em frente. Mas nada parecia ser bom o bastante. Nada que lhe dissessem traria de volta aquele sorriso tão vivo e sincero que costumava aparecer em seu rosto. Nada que lhe falassem faria com que a sua dor fosse menor. E era sofrido resistir, lembrar-se daquele sorriso tão contido e bonito, e disfarçar a dor enorme com um sorriso falso. Mas ela seguia. Apesar de tudo, tinha de seguir. Mas não podia negar que as lembranças de vez em quando também podiam lhe fazer mal, pois a cada vez que se lembrava de seu abraço, de seu sorriso gigante que costumava brilhar nos olhos, de seu jeito de menino idiota e brincalhão, a dor se intensificava. É por isso que deitava de cabeça pra baixo no sofá, pra ver se organizava e endireitava os pensamentos tão tortos, pra ver se aprendia logo a lidar com a dor. Mas sinceramente, sentia-se em uma rua de mão dupla. Talvez fosse um daqueles sinais de trânsito estragado, onde só existe o botão de amarelo. Via-se assim, dividida entre desistir e continuar, tentar ou não arriscar. E o sinal de amarelo a representava bem. Justamente por ela não sair do lugar, justamente por mal conseguir pensar. Justamente por não se decidir entre deixar que os sentimentos rolassem de forma livre, ou impedi-los de machucá-la. E sentia-se cada vez mais encurralada. Precisava tomar uma decisão, e disso sabia muito bem. Mas e agora? Pra onde ir, o que fazer? Tudo que precisava era de um abraço, de um sorriso, de uma palavra amiga. O problema é que ela precisava que tudo isso viesse de um corpo não mais acessível, de um rosto não mais amigo. De mãos que nem sequer sabiam lidar com suas palavras. Só sabiam lidar com o seu coração, revirá-lo dentro de seu peito mesmo sem querer. Mas não devia ser assim. Ele não deveria ter esse poder de deixá-la mal com apenas um gesto. Um minuto não deveria arruinar o resto de seu dia. Ela não deveria estar ali, olhando para o nada, pensando em tudo. Os momentos ao lado dele não deveriam ter significado tanto. Não deveria haver um adeus. Não deveria ter um fim. E era isso que ainda estava tentando entender, ali, naquele lugar vazio, onde o som das batidas de seu coração ecoava como o canto dos pássaros que lá fora cantavam. Em sua cabeça, a última palavra, o último olhar, o último toque. Troca o sofá pela cadeira. Troca a imagem de um teto sem vida pela visão de um céu azul demais para o seu estado emocional. Deveria seguir em frente, disso ela sabia muito bem. O problema é que objetos são substituíveis. Pessoas, não.
Raíssa César e Letícia Loureiro.