Rene Magritte.
La Clairvoyance




           
"....as mãos são quase seres animados. Serviçais? Talvez.
Mas dotadas de um temperamento enérgico e livre, de uma fisionomia - rostos sem olhos e sem voz, mas que vêem e que falam...
...no momento em que começo a escrever vejo as minhas mãos que solicitam o meu espírito, que o arrastam...
...através delas o homem entra em contato com a solidez do pensamento...
...os grandes artistas prestaram uma atenção extrema ao estudo das mãos...
... a face humana é sobretudo, um composto de órgãos receptores. A mão é ação: ela toma, ela cria, e por vezes, dir-se-ia que ela pensa. Em repouso, ela não é uma ferramenta sem alma, abandonada sobre a mesa ou pendurada ao longo do corpo: o hábito, o instinto e a vontade da ação meditam nela e não é preciso um longo exercício para adivinhar o gesto que ela vai fazer...
....Rembrandt nos mostra as mãos em toda a diversidade de emoções, de tipos de idades, de condições: mão escancarada de espanto, erguida cheia de sombra, contra a luz,  de uma testemunha da grande Ressureição de Lázaro, mão operária e acadêmica do Dr. Tulp segurando na ponta de uma pinça um feixe de artérias na Lição de Anatomia...
...mão de Rembrandt desenhando, mão formidável de São Mateus escrevendo o envangelho ditado pelo anjo...
...parece-me ver o  homem antigo respirar o mundo pelas mãos, estender os dedos para fazer deles uma rede para capturar o imponderável...
...minhas mãos, diz o Centauro, experimentaram os rochedos, as águas, as plantas inumeráveis e as mais sutis impressões do ar, porque eu as elevo nas noites cegas e calmas para que elas surpreendam os ventos e deles tirem sinais para pressagiar o meu caminho...
...e é uma mão formidável que Rodin, para representar a obra dos seis dias, faz surgir de um bloco onde dormem as forças do caos...
...a arte começa pela transmutação e continua pela metamorfose...é ao mesmo tempo invenção de matérias e invenção de formas...constrói para si uma física e uma mineralogia. ...é artesã e alquimista, trabalha com o avental de couro como um ferreiro....tem as palmas das mãos negras e rasgadas, de tanto medir forças com o o que pesa e o que queima...
....elas precedem o homem, essas possantes mãos, nas violências e nas artimanhas do espírito..."


Nota
Cf Focillon, Henri in a Vida das Formas, Zahar Editores,1981,pp 127/131/140/142.