O grito...

Dormi... Tinha o gosto do cansaço nas pálpebras...
Eram poucas horas que enroscavam na noite...Ainda cedo demais para dormir na cidade cinza.
Havia barulho...Sons das buzinas e das risadas... Riam-se as ruas asfaltadas.
Mas, preferi dormir, a enlouquecer. Sono profundo... Com dizeres dos lábios... Um sono sem medo... Acompanhado das mãos que acareciam os cabelos ciganos.
Diante das luzes que, volta e meia, ofuscavam os olhos fechados, acordei meio embriagada com os sonhos que ainda estavam comigo... Nos seios beijados pelo arrepio da madrugada... Nas portas fechadas.
Ouvi o primeiro grito desesperado... Era uma jovem, talvez não com certeza, mas uma voz feminina chamando pelo nome desgarrado...
Era fulano o nome que chamava...Era o rastro do susto sem nome...Isso não importa.
Ela gritava às três da manhã... Sem perguntar se podia... Sem saber se era noite ou dia... Ela gritava.
Agitava as cortinas...Fazia das sombras, medo. Dizia-me, aos quatro ventos, que a vida é uma alma perdida...
O meu olhar ficou negro... Via o universo todo em polvorosa... Via o poder a enxotar os loucos... Prendendo-os no vácuo da ilusão sã.
O poder prende os loucos... São diferentes dos insanos de sapatos e gravatas... Pensam diferente da manada.
Foucault sabia do que falava...
Ela gritava... Ou pela fome que sentia...Ou pela dor que paria... Ou pelo amor que perdia.
São as lágrimas da madrugada... De tantas marias perdidas.
Somos diferentes dela, por quê?... Se o corpo sente a dor renal em disparada... Se o gosto da boca não acalenta o sorriso de menina... Se a alma dói o amor perdido sem igual.
Tantas e tantas almas perdidas... Em frascos pequenos e grandes grades coloridas... Roupas e brincos... Riscos e rabiscos de vidas.
Hoje, ouço o canto dos passarinhos... Amanhã, ouço o grito até às seis da manhã.
Qual maria será a próxima na lista da loucura?... A que brinca...A que dança... A que chora... A que não nasceu ainda?...



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