O AMOR DE SÓCRATES

O grande filófoso Sócrates era um homem estranho, mas antes de tudo ele tinha coragem e determinação, era uma rocha lapidada: imóvel e imutável. Áspero, orgulhoso, impossível de subornar ou ameaçar, ele enfretou até o conselho dos trinta depois que eles ocuparam Atenas, mesmo sabendo que eles mandavam matar qualquer um por pouca coisa.

Mas Sócrates não era nenhum santo, nem vivia de pensamentos apenas. Quando não estava participando das batalhas, demonstrando a destreza com que manejava uma espada, estava demonstrando sua habilidade com o pensamento e com as palavras, sempre para destruir, nos dois casos.

Entre as esquisitices, contam que ele podia permanecer parado numa esquina por vinte e quatro horas, absorto numa linha de persamento, enquanto os habitantes de Atenas cuidavam do seu dia-a-dia, ainda não acostumados com as atitudes do filósofo, que parecia não sentir frio, fadiga e andava descalço enquanto os outros protegiam seus pés contra o frio europeu.

Em Atenas as relações homossexuais eram comuns, mas não é esse aspecto da história que vamos tratar, a evolução tratou de corrigir isso, mas a história conta que Sócrates foi acusado de corromper a juventude ateniense e por isso foi levado a julgamento e condenado a morte, obviamente que não foi por levar jovens à perdição sexual, já que essa era permitida e não causava sequer escandalo.

Então se não era uma perversão o que poderia ser, já que os padrões da época não apontam como motivo a degeneração sexual ou moral.

Um desses jovens “corrompidos” foi Alcebíades, que já na apresentação cada um mostrou suas armas. Alcebíades, ainda pupilo, apresentou sua arrogância dizendo que permitia que Sócrates o “auxiliasse” rumo à virtude, por sua vez Sócrates desdenhou e replicou: “se deseja compartilhar beleza por beleza, você terá fortemente uma vantagem de mim; você ganhará a verdadeira beleza em troca de aparência – como Diomedes, ouro em troca de bronze”.

Mas esse sarcasmo durou pouco, ao final Sócrates sucumbiu ao encanto de Alcebíades, ele tinha algo que Sócrates queria ver. Mas o que seria? O que nesse jovem poderia interessar ao gigante do pensamento?

No século I depois de Cristo, Plutarco contou os detalhes dessa história e diz que, depois da aulas de Sócrates, Alcebíades tornou-se um general talentoso e corajoso, um militar competente, que saiu vitórioso numa série de batalhas difíceis e de sucesso improvável, mas era tambem um arrogante, prepotente, que certa vez, quando ainda criança e jogava nas ruas de Atenas, ao se aproximar uma carroça ele mandou que o carroceiro esperasse a jogada antes de passar, como ele não deu ouvidos, Alcebíades se atirou no chão e mandou que ele passasse por cima, se quisesse, então, assustado o carroceiro puxou os cavalos e todos correram para livrar o garoto das rodas da carroça.

Essa criança, depois que perdeu seu honrado e rico pai, teve como guardião o lendário governador Péricles e também se transformou num lendário herói nos anos dourados de Atenas: Alcebiades, um homem que nasceu numa das mais nobres famílias de ateniense do século 4 a.C.

A arrogancia da criança que se atirou na frente da carroça, somente para ver sua ordem atendida cresceu e cresceu, Plutarco conta que ele se transformou num belo, brilhante, temido e bem-sucedido general de Atenas, ao ponto que ninguem ousava enfrentá-lo e foi surpreendente como conseguiu sair impune tantas vezes, como conta o historiador Durant: “ele violou centenas de leis e injuriou centenas de homens, mas ninguem ousava levá-lo à corte”.

Uma noite o nobre Anytus o convidou para um jantar com os amigos, mas Alcebíades recusou, depois apareceu embreagado e acompanhado de seus servos mandou que eles recolhessem a metade dos cálices de ouro e prata das mãos dos convidados e levassem. Questionado sobre a pilhagem de Alcebíades, Anytus disse que foi uma grande “consideração e ternura” ele ter levado apenas a metade dos cálices, quando podia ter levado tudo.

Numa das famosas Olimpíadas de Atenas, Alcebíades mandou sete carros a mais que qualquer rei ou país e mandou pintar um cupido segurando um raio e um trovão no lugar das tradiconais insígnias atenienses, o que, para os cidadãos mais velhos significava o mesmo que rasgar a bandeira da própria pátria e apasar disso e de suas más condutas, ele era amado, não somente por sua incrível e extraordinária beleza, mas porque ele tinha a maior capacidade de inventar, de dissuadir, de discernir o que era mais apropriado para dizer em qualquer situação, mas para Plutarco era basicamente seu encanto que fazia até mesmo os que o temiam e invejavam, se deleitarem e terem uma espécie de amabilidade quando o viam e ficavam em sua companhia.

Mas o cunhado de Alcebíades não pensava assim e temendo ser morto por ele para ficar com sua fortuna, anunciou no senado ateniense que, se morresse sem filhos, todas as suas terras e dinheiro ficariam para o Estado. Além disso, foi Alcebíades com sua ficha de comportamento abusivo e violento, que persuadiu os atenienses a atacar a ilha de

Melos e, diante da rendinção de seus habitantes, matarem os homens que não podiam mais combater. Uma agressão que, mesmo naqueles tempos brutais, os atenienses viriam a se arrepender muito.

Entre outras passagens da vida de Alcebíades, Plutarco conta que ele foi, comprovadamente, o pupilo favorito de Socrates, seu amante e a acusação que levou o grande pensador à pena de morte, foi o desvio da juventude e, pasmem, Alcebíades era o maior exemplo dessa acusação.

Mas, bem antes disso, Alcebíades exagerou e alterou as estátuas de Mercúrio após uma de suas bebedeiras, o que não foi aceito pelos atenienses, eles temiam mais os deuses que amavam a Alcebíades e a proximidade de uma operação militar para Siracusa tornou o julgamento de Alcebiádes inevitável, o que o levou a desertar para a arquiinimiga de Atenas: Esparta, onde aconselhou o inimigo ateniense mais implacável, traindo assim, sua pátria, seus parentes e amigos e, derrepente, o robe roxo que usava em Atenas foi abandonado e passou a usar o cabelo rente e a comer comida popular, mas era o Alcebíades e logo espalhou por toda a Esparta que tinha engravidado a mulher do rei, sua amante, e que sua descendencia iria governar Esparta, o que o fez chegar a lista negra do rei, motivo para bater em retirada.

Então Alcebíades seguiu para a Persia e lá traiu Esparta, aconselhando ao rei persa que não s ajudasse contra Atenas. Ele tinha o talento e a astúcio de conquistar a afeição dos homens e podia, de uma só vez, tanto aprender o jeito de vida deles, quanto de torna-se igual. “Em Esparta ele se dedicava a exercício atleticos, era parcimonioso e reservado; em Iônia era luxuoso, homossexual e indolente, na Trácia, estava sempre bêbado; na Tessália nunca estava montado num cavalo”. Alcebíades era um camaleão, mas uma cor sabia-se que ele não podia assumir: o branco, mas fosse com maus ou bons homens ele podia adaptar-se e aparentar vícios ou virtudes, conforme a companhia.

A autora Anna Salter, psicóloga e pesquisadora, buscava o protótipo do psicopata para ilustrar sua obra “predadores, pedófilos e outros agressores sexuais” quando encontrou Alcebíades e, ao final, ela fica imaginando ele na fuga do julgamento de Atenas “numa estrada empoirada que leva à Esparta, onde ele se transformaria aos poucos – primeiramente o manto roxo seria abandonado, depois o cabelo seria cortado rente até que chegasse a Esparta tão transformado que os cidadãos o comparariam a Aquiles”, o mais belo dos heróis gregos reunidos contra Tróia.

Antes, porém, esteve ao lado de Sócrates que não era de fugir de alguma coisa, Platão o descreve na derrota de Delium, quando os cidadãos atenienses apavorados com a invasão do inimigo, Sócrates estava “andando com gravidade e arrogância, como um pelicano, passando os olhos calmamente contemplando inimigos e amigos, tornando inteligível para as pessoas, mesmo à distancia, que qualquer um que o atacasse, provavelmente encontraria uma valente resistencia”, principalmente com o grande general Alcebíades cavalgando ao seu lado o protegendo durante a longa retirada.

A autora não resiste e pergunta: “Por que, Alcebíades? Você nunca foi leal a qualquer um ou a qualquer coisa, por ficou ao lado de Sócrates em Delium?

Ela diz que ele teria respondido que fez por amor ao amigo, mas ela não acredita e diz que tudo sabe sobre psicopatas diz que não é assim que eles agem e responde a Alcebíades:

“Eu sei por que vc ficou ao lado de Sócrates em Delium. Não era por amor, de forma alguma. Você sempre esteve atento à qualidade. Você distiguiria ouro de broze, um tecido bom de um ruim. Você sabia quem ele era, não? Você o preservou como se fosse tirar dele uma urna de ouro, protegendo-o cuidadosamente”. Ela diz que ele nunca respondeu e assim essa comunicação imaginária encerra sem as respostas, mas fica a impressão de uma grande certeza: a sabedoria, a capacidade de previsão e o bom censo caracteristicos dos sábios era o que dava o norte e o sentido a vida e ao sucesso do camaleão, que sem Sócrates deixava de ser um grande general vitorioso, um herói e passava a ser mais um dos bandidos que povoavam a terra àquele tempo.

MarceloSabino

Publicado no Recanto das Letras em 26/12/2010