SOU O RESULTADO DO MEU TEMPO
Não sou do tempo da vendinha. Nem do empório. Minha mãe não comprava arnica para tratar das feridas, nem havia mascates a visitar-nos. Era tudo menos mágico e literário... Eu ajudava nas compras do supermercado. Lá tinha de tudo. Ia pelas ruas vestido de calça jeans que não tinha suspensórios. As meias, não eram brancas, tamanho três quartos, estilo que até cheguei a usar no primário. Eu sou da antiga, mas nem tanto... Eu sou d’uma infância pré-moderna, sem importância, sem poesia: Muito esporte. Muita música eletrônica com balanço e MPB também. TV a rodo, todos os dias, novela à noite, futebol aos domingos. Era o fim da ditadura militar, mas eu nem ligava para isso. Ouvia um cochicho de longe... Um pouco depois, na adolescência, eu dançava nos fins de semana sempre na casa noturna da vez, em meio aos canhões de luzes e nuvens brancas de fumaça... Cada discoteca durava pouco. Logo que fechava a antiga, inauguravam uma outra, a chamada "boite da moda”. A minha cidade não comportava muito mais do que isso... Naquela época eu ainda não pensava nas palavras e na possibilidade da sua beleza... Beleza era coisa de beijar as meninas bonitas na boca e tentar tocar - nem que de leve - nos seus peitinhos... Hoje, não sei mais se sou apenas eu ou se este escrito é um tipo de "consequência do meu tempo". Resulto desses antigos momentos sem quaisquer versos lidos na minha bagagem, nem um sequer... Sou criatura de um universo sem histórias de complementos cênicos ou lúdicos. É esse espaço esvaziado, fútil, que sou obrigado a transformar na canção do “meu agora”. Esse meu passado nada romântico, sem qualquer espécie de lirismo, de forma alguma me ri ou me decora, mas ele, ainda assim, me movimenta, mesmo desnudo de uma conveniente e necessária glória. Ele ainda me causa uma emoção estranha, um espécie de sentimento de crueza, quando leio grandes poemas de grandes poetas falando de uma infância de infinita magia e inocência...