Do Outro Lado da Trincheira

Só vou escrevendo. Qualquer rótulo é culpa sua. Inteiramente sua.

Não sou o que escrevo. Não sou quem eu escrevo. Apesar de sê-lo.

Eu não sei de nada. Eu não fiz nada. Eu cheguei aqui tem pouco tempo.

A depreciação é sua. O ato de endeusar é seu.

Não me culpe pelas expectativas que você criou e que eu frustrei.

Não foi culpa minha.

Eu aviso antes. Só pra esfregar na cara depois.

“Eu avisei” – é um dos meus axiomas favoritos.

Eu sou tímido, cara, e meus textos berram!

Se você sabe tanto; se você pensa que sabe tanto; se você sente tanta dor:

A culpa é sua.

Eu vivo, além de escrever. Eu tenho contas, manja?

Problemas, entende?

Sou tão sem graça quanto você. Aliás, não: eu sou pior do que você.

Eu não sei quando os "porquês" estão certos.

Eu não sei o que é um predicado.

Manja as três primeiras palavras deste texto?

Aliás, eu nunca sei quando é deste/desse.

Eu queria soltar uma frase tipo a do Millôr Fernandes, dia desses.

Algo como “escrevo porque escrevo, se me pagassem eu falava”.

Mas, além de não me pagarem porque eu sou caipira e não falo, também não me pagam porque eu escrevo – mas jogam fados em minhas costas como se eu fosse um carregador de caixas na beira do cais sob o sol escaldante com cheiro de peixe impregnado em cada poro do meu corpo debaixo de cada unha impregnado em cada fio do meu bigodinho safado (como se eu pudesse abrir algum portal pra outro universo ou fosse o portador das Esferas do Dragão prometendo a vida eterna ou tardes mornas de ventinho fresco sob varandas chiques suntuosas com drinks vermelhos roxos com guarda-chuvinhas e pedaços de laranjas colados nos copos em mãos e pernas cruzadas com Labradores mansos deitados olhando de soslaio gatos peludos e enjoados e entediados com a vida Marie Clarie); é assim que funciona. E depois a culpa é minha.

Qual é?

Só vim comprar meu micate...

Se a transição é desagradável e o fim é o mesmo, facilite.

Além de não ter bola de cristal, tenho mais o que fazer.

Como aliviar os intestinos. Ou aliviar essa inércia com processos manuais unilaterais - se é que você me entende.

Ou simplesmente pensar em algum tanatólogo com preço camarada por aqui.

Não leva a mal não? Mas a culpa é sua!

Porque eu avisei.

31/03/2011 - 17h36m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 31/03/2011
Código do texto: T2881963
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