É o Fim!

Ele joga copos na parede. As paredes se esquivam. Mas os cacos caem. Ele samba descalço sobre os cacos. A carne arde e o sangue jorra. Ele flutua em slow motion. As lesmas escalam paredes de três metros, as aranhas esperam as moscas, as paredes azuis curam ressacas- é um pesadelo Bukowskiano. Ele perdeu a identidade, ele esqueceu a própria idade. O próprio nome. Ele esqueceu o que é viver. Ele joga paredes nos copos, planta bananeira sobre os cacos, sobre miríades de cacos, caquinhos, minúsculos, e, as palmas das mãos sangram, gotejam sangue, em profusão. E ele grita para as paredes e elas exalam podridão. As hienas bocejam e ele joga copos, ele cerra o maxilar, ele apalpa as solas dos pés. Sequioso pelo tilintar dos cacos, ele joga mais copos nas paredes. Ele joga o espelho. Ele joga o espelho. Ele joga o espelho. Seu par de olhos olha milhares de pares de olhos seus no chão com milhares de tetos e luzes e olhos olhando nos olhos; no par de olhos úmidos, vermelhos; bolsas arroxeadas sob os olhos, cansaço, mais copos, mais estrago, mais sangue. Não tem nome não tem vida não tem amor não tem amigos não tem identidade não tem máquina de escrever não tem suicídio não tem sexo não tem sono não tem gim não você não tem ela não tem ele ele simplesmente não tem e continuando fitando mil almas despedaçadas em cada um dos olhos de cada um dos pedacinhos de cacos de vidro espalhados pelo chão fitando o teto abrindo um portal para a terra da descrença das amebas pensantes e de suicídio assistido e dos comprimidos de cianureto distribuidos por alienígenas de protuberantes testas marrons e olhos vermelhos esgazeados com pontinhos amarelos em volta. Ele joga copos na parede, ele desloca ossos, ele estala ossos, ele corta os pulsos, ele sonha, ele sonha, ele sonha. Ele sonha que tudo não passa de um pesadelo e sonha que o que acabara de ouvir não passa de uma malgradada peça pregada pela sua imaginação fértil. Ele quer o contra-senso, ele apela ao contra-senso. Dédalo ri em algum lugar recôndito do Universo. A marretada na cabeça dói, o rasgo nos pulsos dói - cento e oitenta segundos de prostração diante de palavras afiadas, filigranadas, certeiras, frias:

- I like you as a friend.

É o fim!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 26/03/2011
Código do texto: T2872024
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