Contemplação
O sol se prepara mansamente para mais um adeus, obrigando a tarde a render-se ao manto da noite.
Em casa, ele calça as sandálias e caminha até o portão, saindo na direção do cais do porto.
Passos vagarosos o transportam para um momento sublime de gratidão, cujo ritual já se repete ao longo de meses, e quanto mais se aproxima do destino, mais tem a sensação de que está saindo de um mundo de pesadelos para um mundo de esperanças.
Caminha, caminha e caminha...
Olhos fixos no chão, ouvidos moucos para a multidão, prossegue na disciplinada marcha rumo ao deleite d'alma. Desce as escadarias da rampa do mercado, contando cada degrau que o leva na direção do generoso rio.
Lá embaixo, curva-se lentamente, molhando seu rosto com a água ainda morna, que escorrendo pela face lhe confidencia seus maiores segredos.
Seu olhar estático alcança o horizonte e percorre a imensidão daquele cenário, enquanto a brisa, acariciando seu rosto, traz consigo uma energia sobrenatural, que lhe provoca um êxtase inexplicável...
Que força é capaz disso? A resposta é inefável.
A lua entra em cena, grandiosa, completando o panorama divino e tomando seu lugar nesse espetáculo de veneração. Diante de tamanha grandeza, sente-se agradecido pela dádiva de poder contemplar as obras do Criador.
Deixa, então, que todos os seus problemas se afoguem nas águas daquele imenso rio, e sente renovar sua esperança de que vale a pena viver, mesmo sob a pior das circunstâncias, pois aquelas forças da natureza são instrumentos que o Todo-Poderoso se utiliza para nos permitir falar com Ele.
Sob todas as formas, ELE se manifesta, porém é necessário que estejamos receptivos para percebê-las.
No seu íntimo se questiona: por que o homem se enche tanto de orgulho e se esquece sempre de sua pequenez?