O muro de concreto...


Da janela do meu quarto podia ver aquele misterioso muro. Se eu fosse bom em descrição diria-te com riqueza de detalhes sua característica; daria também sua metragem, espessura, textura e sua missão. Por hora, posso apenas informar de como aquele muro me deixava cabreiro, afinal de contas, ele crescia vertiginosamente a cada dia, acompanhado por minha, também agigantada, fixação.

 
Não havia um só dia em que eu não me posicionasse frente à janela e pousasse minha curiosidade. Era o meu faro debruçado no desejo de escalar as pedras sobrepostas. Isso já havia se tornando um ritual que se segue e obedece e se cumpre com rigor subserviente.
 
Ficava estanque e hipnotizado até que minhas aceleradas fantasias me esgotassem e eu optasse por seguir com minha desinteressante repetição monótona habitual. Apesar disso, eu sabia que no dia vindouro estaria novamente disposto e pronto a observar as novas medidas do muro.
 
Correm os dias. E os dias se tornaram meses. E os meses formaram anos... e o muro já escondia o outro lado. Revolvia, do lado de cá, o anseio por descobrir as coisas que estariam lá. O que os meus olhos não viam? O que os meus olhos não podiam mirar? Estaria a realidade travestida por um muro de concreto como um escudo protetor?
 
Eu sabia que além-muro teria um outro mundo. Um mundo que me dizia respeito. Um mundo que era meu. Mais estranho que essas convicções era a razão desconhecida de tê-lo separado de mim. Aquele muro existia como sinal separatista de partes de um todo. Nesse caso eu!... Eu era o todo dividido.
 
Nessa fase eu já não mais olhava da janela. Achei por bem, armar uma tenda avizinhada ao muro. Ali eu ficava todo tempo... a pensar, a escrever no muro frases que escapavam de mim; às vezes era aquele muro o próprio das lamentações. Estranhamente nos identificávamos de um jeito nada normal. Surreal!
 
Num alvorecer qualquer me encontrei vencido pela paixão de conhecer os segredos. Inquietei-me e não esperei que a descoberta chegasse como um enigma desvendado por acaso. E como eu não sou astuto, como Édipo que clareou os obscuros da Esfinge, decidi reunir forças e traçar um projeto para alcançar o ponto mais alto daquele monumento faraônico.
 
Mas, subitamente afastei os tais pensamentos arrojados e aventureiros. E o que foi? Foi mais uma obra do medonho medo... ele havia pintado o muro com a cor da insegurança e esse sentimento passou a ganhar corpo e vigor no oculto de mim.
 
Abandonei a ideia.
 
Se algum mal me acontecer? Se eu sofrer algum dano irreparável?... E se eu sucumbir na derrota de nunca saber o que protege o muro?
 
Teria que vencer a violenta tempestade de temores; superar o sentimento de apreensão em face do perigo evidente.
 
Eu subi...
 
Tentei uma vez. Tentei mais outra vez. Tentei a ponto de perder as contas. E quando tudo conspirava para que a desistência fosse a melhor opção eu, por fim, consegui.
 
E pude apreciar, por cima daquele muro, o mais belo quadro de cores viscerais e vibrantes. Vi como o futuro pode ser bonito e como a vida nas boas vibrações do otimismo é um mar de águas mansas e tranqüilas.
 
Descobri que nos educaram a enxergar, ou melhor, a dá ênfase aos pontos sombrios que há em nós em detrimento de outros muitos mais valorosos.
 
Às vezes, o muro erguido em nossa intimidade demonstra a dicotomia que somos. Somos por vezes o céu, mas também o inferno. Somos o bem e mal. O licor e o fel. A paz e a tormenta. Somos um anjo cavalgando porcos. Pérolas lançadas à lama. Somos um paradoxo, a própria bifurcação. Sou algum que precisa emergir da escuridão para voltar a sentir a luz.





Imagem - Fonte: Google


Toni DeSouza
Enviado por Toni DeSouza em 19/02/2011
Reeditado em 23/04/2011
Código do texto: T2801073
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