O Merda

Você não tem mais salvação. Você já não tem motivos. Você foi destituído de qualquer véu ilusório de que pode ter uma vida mais ou menos aceitável no futuro. Seus horizontes são pequeninos. As paredes se fecham a sua volta. Você não tem pra onde escapar. Essas paredes imundas do seu quarto embolorado. Esse cobertor sujo. Esse lençol com cheiro de sovaco. Esse azedume. Esse neon piscando na sua cabeça quarenta e nove vezes por dia; a palavra SUICÍDIO escalavrada na sua retina como o neon dos bordéis de quinta categoria em que você gastou seus últimos centavos com a psicologia barata das putas, tão nocivas e baratas quanto suas próprias bocetas fétidas. Esses estranhos com quem você convive não podem te ajudar. Nada pode te ajudar. Já não há mais escapatória. Você está velho para o mundo. E ainda mais velho para si próprio. Torce pelo dia do infarto fulminante, pelo derrame, pelo aneurisma, pelo câncer. Mas seu corpo é sadio e eles nâo vêm. Você não fuma para acelerar tais processos. Você detesta cigarros. Você se deprime toda vez que lembra que sua concepção não foi planejada; que você é fruto de incesto ou de um estupro ou de uma transa entre dois inconseqüentes num banheiro de rodoviária - na melhor das hipóteses. Você sente que passou nove meses dentro de um intestino e não de um ventre, tamanha sensação de se sentir um merda no mundo. Um pedaço de cocô ambulante apenas diferenciado dos excrementos intestinais por ter pernas, mãos e o triste privilégio de ser racional. O cheiro é o mesmo. A utilidade no mundo é a mesma: virar adubo. Mergulhar nas entranhas da terra, que é de onde você não deveria ter saído. Você é um merda. E tem a autonomia para puxar a cordinha da descarga. E aí?

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 14/02/2011
Código do texto: T2790651
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