Um recado para Dindi

Odeio gente que diz que eu procuro me ver nas coisas. Uma imbecil com um diploma, que deveria servir para explorações retoauspiciosas, disse que "o homem pós-moderno se identifica com o produto que consome". Surpreende a capacidade fantasiosa que esses pseudocientistas da sociedade tem para afirmar suas teorias. Quanta bobagem. Não dá pra fazer uma almôndega de merda com o que se tira desses operadores de telemarketing de luxo.

Quando você procura a porcaria do sundae de chocolate, é porque você o deseja. Você quer sentir na boca aquele gosto das diferentes texturas se combinando, e, talvez, gostos específicos. Mas esses malditos cultistas das traças adoram recortar a realidade e colar na agenda onde também têm as estrelinhas dadas por seus mestres, outros boçais encanudados, com autoridade para proferir asneiras de forma elegante e convincente. "O homem contemporâneo é um ser coisificado".

Caeiro já tinha dito nas suas andanças, que pensar o sol não é, jamais, explicar o sol, mas criar pensamentos "cheios de calor". E os imbecis se atiram nas papagaiadas mais discursivamente plásticas, o que realmente convence a sociedade do espetáculo, e vai cada um pra sua casa dormir em paz, com alguma esperança de estar construindo um futuro brilhante para si. É preciso um cigarro pra continuar. "É preciso amor pra poder pulsar".

Fumo. Não, não sou este cigarro, fumo porque tenho vontade, porque sei que este pequeno cilindro vai matar meu desespero, e não tenho nenhuma inconsciência capaz de tornar esse ato um símbolo para o deleite de um bando de alucinados de visual clean. "Acredito que ali ele deposite todas as suas emoções, suas perdas, as necessidades mais latentes". Quanta babaquice. Isto é só um gesto de muito claro e consciente alívio das tensões. Fumo. Não sou poesia, não o tempo todo. Neste momeno, meu gesto é prosa.

Minha mulher dorme, agora, ruiva, porque gosto de gente incomum. E entenda incomum por pessoas que eu não vejo muitas vezes no meu campo de atuação. Não tem nada a ver com o que qualquer outra pessoa possa pensar sobre o que é ser incomum. Ela dorme, agora, e eu acho que é uma boceta incrível. É uma companhia que me aquece o corpo. Meu corpo ama, tão cheio de certeza, que chego a ter problemas quando penso em privação.

Não amo esta mulher com minha cabeça. Quando o corpo adormece e as mentes se cavalgam, sua profundidade muito limitada faz meu salto arrebentar todos ossos, num mergulho muita vez dolorosíssimo. Viro o rosto, tento me esconder daquelas declarações, das farpas opinativas, do corte sem jeito com a tesoura cega, a razão claramente engendrada por uma consciência tão simples quanto humilde, e preguiçosa. Desligo. "Sua relação com as mulheres é baseada em uma necessidade machista de autoafirmação da virilidade". Vários anos estudando, pra isso? Que declaração incrível, hein? Veio no biscoito da sorte?

Minha relação com as mulheres é de desejo, também. É o desejo que movimenta o vai e vem, e não faz da experiência uma simples passagem. Ou faz, quando é necessário. O casamento das químicas, as experiências que geram laços duradouros, tudo isso são desdobramentos fortuitos e muito prováveis. O que não significa que você vai desfrutá-los, porque não se trata de ser escolhido, mas de se fazer escolher. Não me venha com essa ladainha medíocre, esse discursinho pronto sobre machismo, porque é a ideia mais estúpida que uma maldita "especialista" pode dar sobre o que me aproxima das mulheres. O que me aproxima das mulheres vai de um cafuné à descoberta do rádio. Meu falo duro não coloca etiqueta no que eu falo, mas o que eu penso é que me deixa assim. Meu falo é duro porque meu tesão pela vida existe, não fica só no tato, vai além do fato de que eu posso me enamorar. A virilidade é uma proeza dos sentidos. Interpretar minha rigidez como machismo é a maneira mais débil que qualquer pessoa pode escolher para me analisar. É deixar de lado todo um universo em favor do rotulismo, de fazer brilhar suas referências parcas e muito porcas.

Já disse pra ruiva, um dia, se eu ficar rico, faço um relity show com esses intelectuais, esses mestres do entendimento humano. Vou deixá-los num espaço, filmá-los em seu ambiente natural, os lugares clichês onde seus egos se tornam, momentaneamente, parte de uma realidade sempre sonhada. Não é à toa que se vendem para os ofícios mais constrangedores que poderiam escolher, já que o que lhes importa é ganhar financeiramente com a propagação do lixo verbalizado que trazem na cabeça. Eles poderiam ficar inibidos, no início, mas, provavelmente, logo vão se refugiar no locus mais familiar possível em seus instintos de coletividade: a conversa fiada. Vão começar a falar sobre teorias do comportamento, suas observações, que nada mais são, na melhor das hipóteses, que citações frankensteins, recortes e costuras animados por várias referências mal organizadas. O paredão seria de fuzilamento. Quem decidiria seria você. Quem é que seria metralhado? Quem? Você é que iria votar, é que iria decidir quem é que iria deixar o mundo menos idiota, por celular, por SMS, até por código de fumaça. Eu iria computar até choro de recém-nascido.

A ruiva acordou. Já me olha com uma cara de quem tem o sangue animando o baixo ventre. Seu rosto amassado de sono é ainda muito bonito. Eu a quero, e não é porque preciso ir, porque não posso mais dizer o que deve ser dito, mas porque meu corpo agora despreza toda e qualquer palavra. Fumo.

Avati
Enviado por Avati em 04/02/2011
Reeditado em 04/02/2011
Código do texto: T2770716
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