Mall dição
Tudo que consegue lembrar é do sulco. Poucas vezes, ele mesmo garante, viveu momentos como aquele. "Fui alto, maluco". A boca cheia d'água, tempo suspenso, um palmo e meio de língua para fora — estética hanna-barberiana; caricatura ambulante do desassossego, experimentava a tormenta. Caliban dançava ao redor do fogo, n'algum lugar perdido ao sul.
Adrenalina, um rush. Sobe, sobe, parece que vai explodir na garganta. Bate forte: tambor na mão do incauto. Ficar parado é o fim. A iminência da explosão fica latejando atrás do olho. Passo um, depois o segundo, então pega no tranco e perde a conta. Passo, passa, se aperta no meio de uns, a testa suando feito um porco acuado, de passagem, de passagem, dá licença, só mais um pouco e está tudo acabado.
Queda do mundo para o segundo plano. Entra em cartaz o mais novo espetáculo da desordem. Desacelera a fuga, então. O fio da faca é nobre demais.
Ligeiramente saliente, com um aspecto de pura maciez. Azul, suave, superfície acetinada que é sonho da ponta dos dedos, que faz as narinas fremirem instintivamente, os lábios entreabertos feito a última criança, desde a primeira, diante do infinito. Uma mordida, com toda delicadeza de dentes maestros. A boca projetada, um abraço dos lábios, oblongo espalmado no aconchego da rima.
Dez passos vezes dez, a tez arrepiada e, de repente, as luzes somem com a dor aguda. Um barulho seco no ouvido. Tudo se reduziu, até o zumbido que zunia feito buzina perdeu sua força e sumiu. Um golpe seco contra o assoalho, um instante muito rápido de pânico, susto sem parâmetros.
Na cama branca, um cheiro de lavanda. Pureza, calmaria, esterilidade fantasiada, adquirida. Conforto que se acaba quando procura foco, cabeça lateja feito a morte dos porcos. Os dedos são a segunda coisa de que toma conhecimento. Com dificuldade abre as narinas. Os bíceps fazem o trabalho, um impulso rápido e o pulso dispara na direção da cara. Na ponta dos prolongamentos articulados não há qualquer cheiro. Ele chora, calado, sem deixar um som, apenas por respeito.