[Na Tarde Lavada, Um Canto assim Claro]
Um pássaro pousa no ramo do assa-peixe
molhado da chuva... olha lá, olha cá,
pondera, olha os campos encharcados,
sente a claridade filtrada da tarde fugidia,
e solta o seu canto por sobre o fragor
das águas ainda barrentas do córrego...
[De todos os tempos, o canto chega até mim].
Eu, um pescadorzinho à-toa,
sem mais o que fazer nestes cafundós,
bato dois dedos no chapéu de palha
ainda molhado da chuva, e penso:
"ô gente, que abandono é esse meu...
por que é que eu não tenho talento p'ra cantar assim,
de goela limpa, som cristalino, puro...
por sobre os campos molhados da chuva?"
Um canto assim claro,
que nessa tarde lavada, limpa,
combina-se com a luz rasante do sol poente,
em sinestesias absurdas da Natureza...
Descompreendo tudo... E só faço é afundar
o meu chapéu molhado na cabeça,
e volto a olhar a ponta da vara de pescar
quase sumir nesse lusco fusco de hora lenta;
Vaga-lumes ponteiam o ermo...
Vivi, vivi, vivi... e não aprendi nada!
__________
[Penas do Desterro, 24 de janeiro de 2010]