O QUE O AMOR NÃO FAZ

Vamos ilustrar o que o amor não faz tratando do amor de pais. Trato desse amor porque em prática esse foi e deveria ser o mais conformado com o amor verdadeiro. Entretanto, muitos atos de amigos e de estranhos têm se mostrado mais em sintonia com o verdadeiro amor. Sendo assim, questionamos, o que o amor dos pais não deveria fazer?

Acima de tudo, o que o amor verdadeiro não faz é causar sofrer e, de igual modo, o amor de pais não deveria permitir-lhes causar sofrer em seus filhos, encerrando na palavra sofrer tristeza, angustia, medo, expectação ruim, carência, descuido, solidão, desilusão, desesperança, etc.. Tudo isto é sofrer.

Dependendo da maneira como se conduz, a relação entre o pai e a mãe produz muito sofrer nos filhos. Entretanto, pais (pai e mãe) que amam não fazem o que possa produzir sofrer em seus filhos e sabem perfeitamente quais de suas atitudes produzirão, aprendendo a respeito ao porem-se no lugar de filhos, que todos somos, e não fazendo o que sabem que lhes teria causado sofrer se seus pais tivessem feito. Isto é simples: Se não gostaria de ter visto meu pai maltratando minha mãe, não maltrato então a mãe de meus filhos e relaciono como mau-trato a ausência, a falta de atenção, a falta de paciência, a falta de provimento, a falta de dar-lhe o devido valor, bem como o necessário prazer, de satisfazer suas aspirações, a falta de liberdade a falta de confiança e a falta de ver que ela é humana e tem sentimentos iguais aos meus. De igual modo, seria a atitude da mãe para com o pai em favor do bem-estar de seus filhos.

Sei que todas essas atitudes contra a mãe de meus filhos causariam sofrer, não somente nela, mas, principalmente, neles, pois eu sei que não gostaria que meu pai ou qualquer outra pessoa tivesse feito isso para com a minha mãe.

Portanto, se maltrato minha esposa, estou fazendo aos meus filhos o mal que não gostaria que tivessem feito para mim.

O maltrato dos pais entre si produz sofrer nos filhos, pois os filhos não gostam que seus pais sejam maltratados por quem quer que seja. Se o pai despreza a mãe, os filhos sentem-se igualmente desprezados, pois seus pais são parte deles. Se a mãe, em represália, faz alguma maldade contra o pai, os filhos sentem-se também maltratados. Se eles se separam por não quererem se suportar e querendo um novo amor, os filhos sofrem a tristeza de ver seus amados desprezados, sofrendo depressão por longos anos e se esforçando para não serem esmagados pela falta de amor do outro cônjuge. Isto além dos prejuízos que esses filhos sofrerão com a ausência permanente de um dos pais, com a presença de um estranho num dos tronos de seus soberanos e pela rivalidade que esse estranho trará e pela qual irá maltratá-los, no mínimo, psicologicamente, o que é normal. Isto se esse estranho não trouxer filhos estranhos para disputarem e ocuparem o lugar normal desses filhos.

E o que os pais dirão aos filhos pequenos que insistem em não aceitar tal imposição é que eles têm que compreender e cooperar, pois o pai (ou a mãe) precisam ser felizes, nem que isso custe a infelicidade geral dos filhos que eles dizem que amam. Ora. O verdadeiro amor é voluntário, abrindo mão de seu direito em bem da felicidade do ser amado. Como então os pais em litígio transgridem o direito de sues filhos em bem da própria felicidade?

E o pior é uma hipocrisia que certa vez ouvi, onde alguém querendo justificar sua busca alucinada pelo próprio prazer disse que somente conseguiria fazer seus filhos felizes se fosse feliz. Isto, porém, não é verdade porque somos seres livres e não somos obrigados a nos deixar conduzir por nossos sentimentos e, tampouco, por impulsos, sendo que nossos sentimentos não nos fazem, nós é que os fazemos.

Portanto, a felicidade não é uma máquina de trem que me leva, mas eu decido para onde levarei essa máquina. Quero dizer que não é a máquina que está no controle, mas nós estamos no controle da máquina. Minha felicidade não depende de condições ou circunstâncias, mas da minha vontade. Por isto podem de privar de tudo, menos da minha felicidade, pois posso produzi-la em qualquer lugar onde eu estiver. Entretanto, quando somos crianças precisamos dos pais para nos prover as necessidades, o que implicará em nossa capacidade futura de prover e de produzir felicidade.

Paradoxal é que sob a mais compressora depressão proveniente do desprezo a abandono seguimos cumprindo horários e executando tarefas profissionais sem que o patrão ou nossos clientes percebam o sofrer que nos esmaga? Porque então os filhos, que são a aparte mais frágil das histórias de separação conjugal, não tendo ainda preparo emocional para suportar, são obrigados a absorver o impacto negativo de nossa insatisfação e ainda nos compreender e cooperar? Quem está sendo o ditador nesse caso? Naturalmente que são os pais em litígio, pois pais que amam seus filhos sofrem calados e são motivados a sobreviver pelo amor a seus filhinhos, mas não produzem qualquer, nem que seja o menor sofrer naqueles cuja felicidade ainda não é autônoma, mas depende desses pais.

Os filhos precisam compreender os pais e cooperar com eles no que é natural, não em cooperação com seu desejo obstinado e busca de prazer pessoal, pois isto é anômalo, é egoísmo.

Os psicólogos freudianos, em acordo com pais em litígio, dizem que antes pais separados do que pais brigando em frente ais filhos. Isto não é mentira, pois desde o início digo que pais que se maltratam causam o sofrer dos filhos. Entretanto, esses pais se separam jurando que amam seus filhos, mas se o amassem teriam se suportado (o que seria preço pequeno, pois viveriam em paz, o que é bom. Tara tal, teriam imposto menos a parte não lapidada de suas personalidades sobre o outro cônjuge; teriam sido menos exigentes quanto a polidez personalidade do outro e teriam aberto mais a mão de algumas coisas em bem da convivência, fazendo isso por amor aos filhos. Teriam se esvaziado muito mais de si e favor do bem-estar dos filhos que dizem que amam.

Entretanto, porque o amor a esses filhos está suplantado pelo amor a si mesmos (o que eles pensam que é mesmo amor), eles não fazem o menor esforço para conviver e superar e suportar as divergências, pegando-se às costas um do outro como verdadeiras sanguessugas e somente largando para ruir a construção da sociedade familiar sob a qual estão seus filhos, mostrando assim sua obstinação em proclamar a própria soberania.

E assim resume-se o amor que tem sido exercitado pelo resto da humanidade, que tem feito ruir a construção social sobre si para provar para aos demais que pode mais na quebra de braço, esquecendo-se que o cumprimento do dever só pode fluir do verdadeiro amor e não da imposição e coerção. E ninguém quer cumprir seu dever, seja por amor ou por coerção, mas cresce vertiginosamente o número dos que querem obrigar os outros a cumprir.

Mas, para desmascarar a hipocrisia institucionalizada e chancelada por todos que fazem tantas coisas e dizem que é por amor, o verdadeiro amor é voluntário em abrir mão de seus direitos, indo muito além do cumprimento de seus deveres em favor de todo aquele a quem diz que mama; em favor do cônjuge que diz que ama; do filho que diz que ama; dos pais que diz que ama; dos irmãos que diz que ama; dos parentes que diz que mama; da família que diz que ama; do(a) namorado(a) que diz que ama; dos amigos que diz que ama; dos vizinhos que diz que ama; dos concidadãos que diz que ama; da sociedade que diz que ama; da civilização que diz que ama; da natureza e continuidade do planeta terra, sua casa, que diz que ama.

Sendo assim, quem ama de verdade não tira, mas põe; não pede, mas dá; não cobra, mas retribui; não explora, mas dá-se; não causa miséria; mas provê; não retém para si, mas distribui; não priva, mas liberta; não luta pelos primeiros lugares, mas sempre dá a vez; Não exige cordialidade, mas é cortez em abundância; não julga, mas justifica; não condena, mas perdoa; não abusa, mas protege; não fica devendo, mas empresta; não produz a fome, mas provê o sustento; não produz doença, mas a cura; não desacomoda; mas abriga; não causa tristeza, mas alegria; não traz desesperança, mas amplia os horizontes; não paga o mal com o mal, mas produz o bem; não deseja o mal, mas faz o bem; não discrimina, mas integra; não deturpa, mas restaura; não distorce, mas esclarece; não produz discórdia, mas concilia; não se vinga, mas perdoa; não se enciúma, mas confia; não se exalta; mas mantém a serenidade; não é ríspido, mas trata com mansidão; não desconfia, mas restabelece a confiança; não suspeita mal; mas sempre dá oportunidade para o bem; não degenera, mas constrói; não corrompe, mas dá bom exemplo; não depreda, mas preserva; não polui, mas purifica. E assim por diante. E em tudo isso é voluntário, abrindo mais de seu direito sempre que é necessário para cumprir essa tarefa.

Entretanto, o declino das relações sociais, da política, da economia e da natureza como temos visto indica que jamais conhecemos esse amor e por isso sabemos que tudo que conhecemos corre para o declínio e eminente extinção, o que o amor verdadeiro jamais produziria.

Wilson do Amaral

Autor de Os Meninos da Guerra, 2003, e Os Sonhos não Conhecem Obstáculos, 2004.