Mentiras ou apenas outra coisa qualquer.

Existem distúrbios que, de tão incomuns, nem possuem nome.

Também há os que, de tão comuns, não o possuem.

Coexistem em nós, de maneira geral, um bom número de ambos.

Os primeiros, eu diria, típicos de mentes mais complexas e cultivadas.

Os outros, sem dúvidas, típicos das mais ignorantes.

– Tenho de aprender a conviver com minha loucura – balbuciava o rapaz, dono de um equipamento de razão que não era, de modo algum, forte o suficiente pra despejar vez por todas a loucura meio enraizada da casa mental – mas nem, de modo algum, fraco o suficiente pra que fosse permitido à loucura que esta ganhasse força e se instaurasse de vez nesta casa um tanto frágil como barquinho à deriva – ou então a loucura é que não era suficientemente caótica para ter como fazê-lo?, bom, coisas assim, nunca se saberão.

–Eu preciso conviver com ela, aturá-la, quem sabe até bajulá-la, puxar seu saco até que eu encontre de uma vez por todas e por fim uma forma de despejá-la desta sua morada provisória, ou seja, até que eu encontre, à vil loucura, a santa /cura/...

– Ah... [ou até que por fim eu me acostume à condição, e então até que eu por fim deixe de perceber sua existência.]"

Duras palavras... Nada excessivas, sem exageros líricos, sem lirismos, de fato, mas tão sentenciosas, é verdade. Ah, sim: como aquelas que ele dissera também a si mesmo uma vez, voltando pra casa, dentro do carro.

"Pois é. Sim, eu sou louco. Mas fazer o quê? Eu sou mesmo louco... E se sou, tenho de aceitar isso."

(Estas últimas, certamente inspiradas pelos ditos de um grande artista marcial já morto, [Bruce Lee] que, além de ator e artista marcial, era também, muitos poucos sabem, um filósofo até que respeitável.

E uma vez esse mesmo grande artista marcial e filósofo disse: "Para mudar, é preciso primeiramente que se aceite o estado atual."

… E é bem verdade.

Talvez não seja evidente à rapa toda, mas encontram-se em artistas marciais desse porte muitos tipos úteis de sabedoria, que vencem em valor outros tantos escavados da crosta da cognição pelos cientistas e estudiosos alhures. (Palavras feias, usei duas.) Dificilmente compreendidos, ao menos à fundo, por pessoas comuns, e até pelas incomuns, ou as mais raras, caso não tenham passado por suficientes transtornos, suas verdades as vezes permanecem privilégio de outros sábios...

– O que a loucura disse pra razão...?

Não sei, não dá pra saber, elas falam línguas completamente dissemelhantes, e incompatíveis... mas se pudesse existir um intérprete, seria ótimo se algum houvesse, o que isto quer dizer seria algo como aquele grande clichê… "Este mundo é pequeno demais pra nós duas…".

Quem convive com um distúrbio mental de algum porte sabe bem disto. Distúrbios mentais não são algo que se ignora facilmente. Você tem de aprender a conviver, claro, com as limitações e as vantagens (pois existem, sempre, de acordo com a maior das leis do organismo humano, que é a da Compensação...) daquilo que te define como ser social, mas é bem raro que você sente e se sinta contente com tal coisa.

A entender: o tal distúrbio que citei, como o vejo, é um como se um defeito no programa mental.

Para entender além: ainda segundo o que eu acredito, nossa mente é uma espécie de computador, cujo programa principal (o sistema operacional) vai sendo escrito à medida em que vivemos e experimentamos o mund. De fábrica, esse programa possui métodos genéricos, talvez com pequenas variações dependendo de coisas como genética, sexo (masculino, feminino, cê sabe), mas bastante comuns, a todos. Estes métodos, ou funções, é outro nome utilizado também no mundo computacional, que são instruções lógicas que abrangem coisas que vão desde de como reagir a tal ou qual estímulo de fora, e como também exteriorizar os que ocorre dentro, são as nossas ferramentas de resposta ao mundo novo. Daí, toda e cada experiência é processada e registrada, gerando um lregistro de bordo, ou corpus/banco-de-dados de a ser utilizado pela mente em futuras invenções e invocações de métodos. Pra ser sincero, penso que exista uma certa flexibilidade em todo o conjunto, mas algumas coisas podem levar à ruptura de sua arquitetura. Contradições. Os tais paradoxos. Informação demais. Estas coisas que eu os chamaria de vírus conceituais. E o mundo está cheio deles, sendo seu ambiente mais comum qualquer um que cotenha um misto nocivo de contradições.

Isso. Bom, foi uma explicação meio boba e resumida. Mas espero que tenha sido (um tanto) clara.

Enfim, digressivamente, de novo, a vida é quase como um jogo que se aprende enquanto joga – e é apenas isso que a torna tão terrível quanto intrigante e, talvez, mágica, segundo uns creem. Não é mesmo esta a melhor e talvez única maneira…? Se eu fosse deus, escrevia uma cartilha. Mas deus não existe e nunca existiu, ao que tudo indica. Já essa coisa de cartilha… Eu a escreverei, é possível, e sei que sairá tão útil quanto os tais dos Dez Mandamentos, ou a própria bíblia e outros escritos milenares seculares.

Voltando ao nosso rapaz.

Algo o movia. "Entenda completamente sua loucura..." dissera a esfinge – "...e talvez encontres a cura." Mas como acreditar numa esfinge tão pouco proverbial...? O rapaz era, até onde entendia, um Ás de Espadas de sua era. Ecoava muita gente, e inclusive gente muito boa e já morrida.

Viver dói,

Às vezes tanto,

Que às vezes passo a pensar que o pranto é sua essência,

E ter disso consciência

Não me deixa esquecer que

Viver dói

Cabeça de cu alada
Enviado por Cabeça de cu alada em 14/01/2011
Reeditado em 23/03/2012
Código do texto: T2728897
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.