Não Sonhe
Além da abstração do soprar o dente-de-leão. Além da confusão desse monte de correção. Pontinhos brancos flutuando, banhados pelos raios alaranjados do fim de tarde. Seus lábios fazendo bico soprando o dente-de-leão. Pernas cruzadas, ombro com ombro, peito com costas, fusão, difusão, profusão de ondas de prazer trazidas pelo vento. Redemoinho que leva e traz o que emanamos. Doce par de torrões de açúcar alinhados, lado a lado, esperando o eclipse que não vem, futuro incerto e confuso, quimeras, sonhos que não existem no dormir, fugir, ruir o que está concreto, por agora, tudo em tudo e o nada em vão, cócegas na barriga ao soprar o dente-de-leão. Apenas o quinhão de paz necessário, só, nada mais, um momento que seja, um segundinho fracionado que seja, com você em meus braços bocejando e falando sandices, insandices, me ensandecendo, surpreendendo, de novo, cada vez mais, menos, menos tempo a cada mais tempo que passamos juntos a rolar na grama, na cama, cópula insana, chuva lá fora, sol, um portal amarelo incrustado nas nuvens cinzas, sonhos, dentes rangendo, frio, febre, suor, cuidados dispensados, convalescença acompanhada pela doutora da nobre feminilidade, mel escorrendo no canto dos lábios, doce veneno, meu lenitivo, meu porto seguro, minha insegurança diária, minha mortalha repentina, centelhas de medos faiscando a cada desvio de olhar seu, ciúmes, moribundos sentimentos desnecessários, vis, viste, veste que o vento vem, sopra, leva pro sol pontinhos brancos que se desprenderam de seu porto seguro pelo seu bel prazer de fazer esse bico rosado e soprar em direção ao sol, céu azul, nuvens brancas e cinzas e laranjas e azuladas e avermelhadas, abóbada, reflexo do nosso tormento em saber que nada é imortal e que o medo penetra em nossas entranhas sem pedir licença e arranca rapidamente o que foi instalado lá aos poucos. Loucos, sim, abraço por trás na beira do fogão, colherada de brigadeiro na boca, louca, touca, outra touca, dedos, unhas vermelhas, tudo o que compõe o cheiro do Paraíso de Mel, mel teu que escorre pelas brechas de suas reentrâncias, transbordo de prazer, me afogo no prazer, fel da minha vida, mel da minha sina, doce rotina, o eterno agora de antemão fazendo bico e soprando o dente-de-leão.