Se eu fosse os outros eu não seria mais que ausência
Quando eu criticava meus colegas na escola sabia que tinha algo de rancor por trás do meu olhar, eu não entendia não só a minha posição, eu não entendia também o porquê de todos esses colegas brincalões viverem felizes brincando como crianças, pensando muito pouco nas consequências de seus atos, agindo de forma livre e sem pudores, realizando os primeiros anos de vida de forma a mais pueril possível, muitas vezes provocando os adultos e lhes causando dores de cabeça com seus atos. Quando eu criticava meus colegas de classe eu não sabia que deixava ali de ser criança para ser um "quase" adulto. Desde muito novo apredi a obedecer a tudo, e nessa "real" paralizia, eu não só não era eu, não era uma criança para ser mais exato, assim como os adultos só me enxergavam como um exemplar de menino bom, educado, civilizado, encarcerado: melhor dizer assim. Quando despertei já havia passado muitos anos de vida, e então me peguei a brincar pelo mundo, agir sem pensar nas consequências, fiz tudo que me veio à cabeça, para meu susto, perdi o status de homem bom, fui preso, julgado e condenado por um ato que a mim se passava feito uma brincadeira, mas o que eu não sabia era que brincar de bandido e policia ou polícia e ladrão era coisa de criança, se podia inventar armas, atirar bolinhas de jurubeba na tiradeira, bater no colega sem machucar. Fui criança muito tarde, quando minha posição no mundo já era a de adulto. Eu mesmo posso aceitar com facilidade a idéia de querer ter sido crinça quando já estava adulto, mas ninguém no mundo deve aceitar que uma criança escolhe ser adulto senão por influência pedagógica, seja na educação dos pais, seja dos seguimentos religiosos, seja das escolas em geral. Não me restando um lugar no nível de "normalidade", não importando que fui responsável quando criança, mas que agi com irresponsabilidade quando adulto, o que me restou sem dúvida foi o enquadramento da minha existência numa cela psiquiátrica, num arsenal discursivo que não só não diz quem eu sou, mas faz questão de dizer quem eu não sou. A única felicidade que carrego dessa posição final é que a psiquiatria me incultiu a certeza de que não sou um criminoso, ou talvez nesse jogo entre ser e não ser, dever participar ou não de uma dada posição na sociedade e na cultura, a culpa não deve recar sobre mim, uma vez que não sou mais do que aquilo que os especialistas não sabe bem o que é, mas somente nomeia por certo costume de linguagem: um louco. Podem também me chamar de "morte", certa "ausência" na configuraçã social. Esse sou eu, quer dizer, continuo não sendo eles, nem vocês, não seria eu um silêncio esquesito?