Ca Tar Se

Gosto assim, quando o lance dá medo, aflição. Quando a insegurança me pega pelo pescoço e vai apertando até que fico sem ar e, quando me sinto melhor, suspiro de alívio. Alívio por saber que perdi o ar por alguns momentos simplesmente por sentir um pouco de dor. Gosto quando recebo uma cruz pra carregar. Que seja pesada, cheia de farpas que futuramente vão me ferir. A dor como lenitivo, a dor como o remédio antitédio. A confusão como combustível, a insegurança como força. No futuro, retirar as farpas. Cada uma que sai da pele, uma pontada de dor. Dor, dor, dor, dor. Devo ser louco. Masoquista de alma. De corpo, também. Tapa na cara gratuito em praça pública e um sorriso subseqüente ao repentino estalido. Devo ser louco, ter parado no tempo. Começar a viver tardiamente o que é realmente importante na vida. Voltando anos atrás na experiência, já que a idade só avança. Retrocesso espiritual, será? Insegurança. Cedo demais? O momento de sentir é este e não haverá outro. Será que não? Tudo vivido na intensidade do peremptório presente? Fico querendo espiar além das cortinas desse vidro espelhado que reflete o que já vivi. Imagem refletida de experiências vividas, vívidas. Vou dar um tempo nisso tudo. Preciso me reciclar. A única coisa que eu achei que eu fazia bem, que me fazia bem e que fazia bem pros outros tem me soado medíocre, retrógrada, sem evolução, estagnada. Preciso parar de ler em excesso. Preciso parar de deixar minha cabeça ser invadida por pensamentos alheios. Quero os meus, os meus pensamentos, só, somente. Piloto automático, erudição fazendo-me parvo. Preciso de suor, do sangue quente e pulsante, da adrenalina encerrando os medos e do vento no rosto. Sinto falta, muita falta, do feeling que julgava ser eterno e inabalável. De vocês roubando a minha comida e dormindo em cima da minha lombar ou ocupando a cama inteira. Saudade do que ainda nem aconteceu. Saudade dessa contemplação insana bizarra louca infindável que nós temos. Nem faz tanto tempo, assim. Um fantasma assombrando. A mão de fumaça do cheiro me puxando pelo queixo como quem diz "venha para o abismo sem volta, neném". O final de semana se aproxima e é esperado com um pouco de ansiedade. Não quero sair com semi-desconhecidos entediantes. Alguma coisa no Cine Olido? Preciso parar de ler e de ficar esperando o texto aparecer. Preciso esperar o texto aparecer? Por que ele sempre aparece tarde da noite? Sempre me senti mais articulado após uma boa noite de sono. Preciso de coisas vitais. Mas coisas vitais com vitalidade, não coisas vitais com efemeridade. Não quero mais a tal vitalícia efemeridade. Quero um acaso que seja eterno pelo tempo que ele existir. Volto às farpas. Voto nas farpas. Vulto de farpas. Terei seu abraço. Todos eles. Pelo tempo que for. Não me importo com a noite de dia útil vagando na madrugada tensa. Pedaladas, toques. Divisão de vômito, pentelhos pendurados, barbitúricos escarrados no olho azul gigante; risadas enlouquecedoras, bigode com bigode, incestuários incendiando o 2052; a máquina de escrever gritando e a agonia dos volantes voadores. Quero mais de tudo. Quero tudo o que por direito tenho. Tenho o direito de querer. E se tenho o direito de querer, eu posso ter. Ter. O quê? Tudo. Cada cessão dessa parece ser uma barganha com o diabo. Que me leve tudo. Mas leve antes os inconvenientes que possam surgir. Dê-me a paz que quero e logo depois coloque uma moeda embaixo da minha língua e peça para Caronte me colocar no melhor lugar do barco. Te espero lá. Acenarei de longe com um lenço branco. Só não saia da minha vida. Não agora. Não agora que me vejo como os que julguei cegos. Gosto do que vejo. Gosto do tapa-olho que você colocou em mim. Gosto do turbilhão que se esconde por trás do seu "nada". Preciso dormir.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 17/12/2010
Código do texto: T2676531
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.