Divagações: I - O relógio

Dia longo, tenso, insosso. O relógio se congela na parede, dali não sai. Não se move, nem para frente, quem dera para trás. Todo empoeirado e gordurento, seus ponteiros vibram, mas a hora é a mesma. Bate um calafrio. Sente-se o gelo dos tempos, ao revés do mormaço que faz por esses lados, nesse período do ano. As chuvas começam a embaçar as vidas, mesmo as mantendo vivas. O relógio não diz nada. E nem poderia. A teletela é quem diz o que deve ser feito: como pensar, o que vestir e como o fim dos tempos está próximo. Aquele objeto sujo ainda jaz parado na parede. Seu tédio tenebroso transmuta em hipnose. O dia longo se torna o último, de indefinidos. Juntos, teletela e seus fantoches e o controle-relógio dominam a totalidade: um diz o que deve ser feito, o outro, o como. O primeiro transforma o tédio e a morte em espetáculo. O seguinte diz que o mesmo está em hora de acabar. Um vende liberdade. O outro prisão perpétua. O ciclo tedioso torna a inexistência mágica, entorpece de porcaria, extingue a dimensão trágica. O relógio ainda insiste em reter. Uns olham outros. Outros desdenham uns. Aquelas coisas controlam todos. O dia longo trava. Não chega ao fim, nem por imposição tempocrática. A mediocridade faz deixar de existir a lástima. O grito se torna mudo: mero quadro desbotado e grudado na parede, por trás dos arranjos metálicos. O mormaço ainda queima. O cansaço se retribui. A teletela cumpre seu papel. A cena se fecha. A morte vangloria e agradece. Fim do primeiro ato... O relógio se move.