Espelhos

Espelhos não são cruéis, apenas refletem a nossa própria crueldade, aquela que praticamos contra nós mesmos, no constrangimento com as rugas e o peso da idade, nos pedaços de sonhos, senão eles todos, incompletos, parciais e tudo aquilo que, talvez, pudéssemos ser e não fomos. Quanto menos fomos, mais vazios o espelho refletirá. Eu, aqui com meus botões, penso ter me dado bastante à vida, do melhor modo que pude, dentro de minhas limitações. Mas vazios eu sempre vejo, nas minhas imagens no espelho. Com o tempo, deixei de vê-las como uma espécie qualquer de crueldade, que eu viesse a praticar contra mim mesmo. Continuo a absorvê-las, mas como uma provocação que me convide a prosseguir, tentando preencher um ou outro espaço, que eu ainda possa ou consiga, sempre levando em conta o custo em face do benefício. Creio que todos façam isso, pois quem não usa a balança para pesar seus desejos, acaba por vê-los ali, no espelho, refletindo apenas crueldade, no lugar de sensatez. Hoje, só me olho no espelho, com minha balança bem regulada e os vazios que ele ainda mostra, não ignoro todos, mas apenas alguns, como se estivesse somente fazendo a barba.

Dassault Breguet
Enviado por Dassault Breguet em 23/11/2010
Código do texto: T2631954