Eu e Meus Oito Eus
Por vezes o silêncio que me agrada nas pessoas do outro sexo que arranjo me dá uma leve percepção de que o que eu gosto mesmo é de namorar o meu ego. Mas não é regra. É porque tem coisas que ouço que a preferência por uma momentânea surdez me deixa ébrio de satisfação. Talvez algo esteja errado. Comigo. Porque o que me agrada é justamente o que está errado. Coisas certas demais, puras demais, românticas demais, sinceras e afetuosas demais me assustam. Me afastam. Me broxam. Não sei se é um pessimismo fruto do empirismo. Fazendo uma análise empírica dessas coisas, eu chego a conclusão de que tudo acaba em nada. Vão enjoar, se enfadonhar. Nunca serei o suficiente pra essas pessoas. E vice-versa. Antes, há um tempo atrás - não muito tempo, diga-se de passagem - eu caía de cabeça em qualquer enrascada que me metia. Não conseguia entender onde estava o meu problema. O que afastava elas de mim. E agora, o que acontece? Eu fico intrigado, procurando minuciosamente descobrir cada detalhe e cada segredinho. Me confidenciam: nunca fiz isso, nunca fiz aquilo, você é o primeira pessoa que eu falo isso. E eu acredito? Até acredito, de início. Mas é uma coisa que encarei como muito complexa e acabou se tornando fácil demais. E lá se vai a magia! Falaram isso pro que cidadão que me precedeu e falarão pro que me proceder. Ou não, talvez eu faça mesmo com que elas se sintam à vontade e me revelem coisinhas do seu mais íntimo eu. Virginia Woolf disse que podemos ter até mil egos. Eu vivo em conflito com pelo menos oito deles. E eu começo essa verborréia falando que gosto de namorar o meu ego. Não, acho que não. Acho que o silêncio que elas me propiciam e que tanto me agrada é como se fosse uma pequena concessão pra eu tentar organizar esses oito egos conflitantes. Cada um tem uma visão de vida, uma visão do amor, uma visão do sexo, uma visão da pessoa que está ali na minha frente, se perguntando como eu posso ser tão estranho, mudar da água pro vinho do dia pra noite, ter começado aquela relação de uma forma tão peculiar e fazer com que ela se arruínasse de forma tão banal e cotidiana. É, talvez eu entre na vida delas como alguém único e diferente e após todo esse processo conflitante com os egos saia da vida delas como todos os outros. Eles não me deixam apreciar o momento direito, cada um fica avaliando a seu modo a proponente que está na minha frente e eu fico com uma visão turva de tudo, pensando demais, um processo cognitivo onde eu mesmo avalio a pessoa - esquecendo os oito falastrões que existem dentro de mim - e acabo me conhecendo mais ainda, o que se revela cada vez mais desastroso porque a cada dia que passo me conhecendo mais eu me conheço menos. Diabos, se eu não me conheço, eu me traio. Se eu me traio, o que posso oferecer pros outros? Se eu não me conheço, eu não me amo. Como posso amar alguém desconhecido? Não dá. E como posso devotar amor à alguém, se não consigo devotar amor nem à mim mesmo? Já teorizaram isso pra mim e comigo. É, é necessário ser um SER completo para então, se dedicar a alguém. Porque veja, esse alguém pode não ser completo. Alguém incompleto, com todo esse mar de dúvidas - que por ventura podem ser as mesmas que as minhas - pode se enjoar, se entediar, e etc, o que acabaria nos ferindo, caso não estivéssemos na condição de "seres completos". Essa completude evita feridas, cicatrizes. Ficamos embebidos numa auto suficiência que não deixa ressaca caso aquele holograma etílico onde depositamos nosso amor e esperanças se acabe de uma hora para a outra. Mas tentando retomar o foco: onde está o problema? Uma espinhazinha vira uma aberração. A voz, outrora doce, agora irrita facilmente. O abraço já não transmite mais aquele calor, já não está mais naquele molde que me deixava protegido das maldades do mundo. O jeito de andar é insatisfatório. Cara, o jeito de andar! Me pergunto: qual é o problema? Cadê o tesão? Cadê meu sexo urgindo, suplicante, orvalhando de desejo pelo órgão da outra pessoa? É como se meu cérebro fosse um compilador de programação computacional: o código é feito e uma única vírgula no lugar errado é capaz de fazer com que o compilador aponte um erro. Daí então, o programa não funcionará. E é basicamente isso: o programa tem um propósito, que é realizar uma determinada tarefa. A codificação para que ela seja executada sem erros é longa e complexa, dependendo da magnitude da solicitação do "cliente" e sempre terão vírgulas e mais vírgulas em lugares indevidos para que ele dê erros e mais erros. E como é difícil encontrar essas vírgulas, dentre tantos caracteres! Mas um ser completo não precisa de outro ser, você me fala. Eu também pensei nisso. Mas um carro anda bem só com gasolina. Mas anda melhor com um aditivo. Mais macio, mais suave. Talvez mais potente. Não entendo nada de carros, mas sei que um complemento ajuda. Não me adianta nada ter o tanque cheio e uma estrada linear para gastá-lo.
Não, bom é esvaziar o tanque em anfractuosas estradas sem placas, entrar em curvas suspeitas e pulular nas costelas de vaca do inescrutável. Mas essas estradas estão muito longe para que eu chegue nelas com o meu tanque furado. Paro aqui, por ora. Esse meu eu que quer me conhecer melhor está cansado dessa ladainha. Mas cansa, esse ciclo de busca-execução que meu computador cerebral faz constantemente. E o que mais me intriga é que quando vejo essas estradas e estou com o tanque cheio elas me são fugazes. Se dispersam no espaço e no tempo. Fogem de mim, meu tanque vai se esvaziando enquanto eu fico vagando sem destino por ruelas e pirambeiras até fundir o motor...
Será que meu programa conseguirá executar finalmente seu propósito?
Será que estarei com o tanque cheio quando as estradas virem até mim?
Moonspell - Love Will Tear Us Apart
16/05/2010