Estou brasileira triste! Posso desabafar?

Sim, estou uma brasileira triste. Trabalho desde os doze anos de idade e tenho hoje sessenta e cinco anos. Quando resolvi postar meus pobres escritos aqui no Recanto das Letras, não foi por pretensão a ser escritora ou poeta. Queria escrever. Gosto de escrever. Gosto de ler e leio muito. Assino jornal e o leio na íntegra todo santo dia, sem contar o que leio na internet, em livros, no consultório médico. Sou voraz no quesito leitura.

Sou a primeira filha de um operário que estudou até a quarta série que lá pelos idos de 19...e bolinhas, equivalia a 8ª série de hoje. Meu pai sabia ler muito bem, fazia as quatro operações de forma espetacular, uma letra linda, redonda, equilibrada. A minha mãe não teve a felicidade que ele teve. Ela perdeu o pai com sete anos e depois, aos dez anos a mãe. Ficou órfã, andando de casa em casa. Vivia nas casas das fazendas que a recolhiam para trabalhar. Quando não tinha onde ficar era no convento com as freiras, também trabalhando, mas nunca estudando. Não sabia ler, nem escrever, nem fazer contas. Aprendeu a escrever seu nome com meu pai depois que eles se casaram. Escrevia muito mal, letra tremida, mão “dura”como ela dizia.

E a vida dos dois foi muito difícil. Meu pai sofreu acidente nas mãos, cortou-se muito feio com a faca de sapateiro, pois numa época de desemprego ele começou a consertar sapatos e com esse acidente nem isso ele pode fazer por bom tempo.

Eles tiveram dez filhos todos vivos. Deus seja louvado! Mas minha mãe amargou uma tristeza durante sua vida depois da última gestação: o bebê - naquele tempo não havia tecnologia e ela só descobriu a duplicidade de crianças quando do parto – mas, o bebê nasceu enforcado no cordão umbilical. Foi triste e ela nunca superou esse fato.

Mas os outros filhos ela sempre orientava e dizia que o estudo é tudo na vida das pessoas, que sem estudo não passam de nada vezes nada. Que fôssemos para a escola. Que estudássemos e nunca desistisse. Que nós éramos a fotografia real, da verdadeira vida que teríamos se não estudássemos. Vida difícil e sem perspectiva.

No nosso tempo de criança ninguém falava em inclusão social. A lei não obrigava o pai a matricular seus filhos. As escolas eram muito poucas e não raro longe de casa. Mamãe ia lavar roupa para as outras mulheres, e, no caminho, me deixava em uma escola que era a noite um salão de dança e a professora só dava aulas até a 2º ano, de graça... notem: de graça. Quando eu passei para a 3ª não tinha escola perto do governo e as particulares se pagava até se passasse na porta de tão caro. Resultado: pra não me deixar sem estudar ela pediu que eu ficasse ali mesmo, mesmo tendo que fazer de novo a 2º ano. E Estudei. Estudamos eu e meus irmãos depois em outras escolas, pois com o tempo tudo foi melhorando. Quando terminei o 4º ano, era hora de entrar para o ginásio, no centro de Santo André – longe, muito longe de casa - mas a sorte é que havia o tal de curso de Admissão ao Ginásio. Mais um ano que fiquei perto de casa. Ao final do ano, prova para saber a minha qualificação para o ginásio, se eu não passasse deveria fazer novamente o Admissão. Passei no primeiro. Minha mãe, pulava, chorava, me abraçava, chamou as vizinhas. Foi um auê que me deixou tonta, orgulhosa, feliz, de ver a felicidade da minha mãe. A vida dos filhos dela não ia ser igual a dela: começava a mudança. Eu ia entrar no Ginásio Estadual “Américo Brasilense”. A melhor escola, Uma escola estadual. A melhor escola era estadual, pública.

Durante os anos de Grupo Escolar não havia dinheiro para os cadernos, para livros, mas para quem quer, quem quer mesmo estudar, abrem-se portas, sim. Os grupos escolares cobravam uma espécie de ajuda e, quando algum aluno tinha dificuldade de adquirir material os pais deveriam ir à escola, e pedir ajuda da Caixa Escolar. E minha mãe foi. Foi todos os anos para todos os filhos.

Quando entrei para o ginásio a mesma coisa. Não tinha dinheiro para livros. Quando disse a ela que precisava de uma montanha de livros ela me disse: ‘ Em Santo André existe biblioteca pública. É lá que você vai encontrar os livros que precisa. Copia o que tem que estudar e pronto”.

O meu dedo criava calos por copiar tantos “pontos” para estudar em casa. Foi o ginásio todo assim. Diplomei-me. Precisava fazer faculdade. Embora já estivesse trabalhando a faculdade ainda não cabia nos nossos bolsos. Os mais velhos trabalhavam para colaborar com os pais na manutenção de todos. Se fosse nos dias de hoje no mínimo responderia processo por maus tratos.

Ela, de novo, foi pedir bolsa de estudo na Prefeitura de Santo André. Foram em casa, examinaram as condições econômicas e sociais da família. Consegui fazer o curso Normal , com bolsa de estudo, numa escola em frente ao Américo Brasilense , em plena ditadura militar. Saí professora. Fui trabalhar em Mauá, pelo Sesi. Já trabalhava na Rhodia desde 1960. Consegui mudar meu horário de trabalho para tarde e noite e, fui ser professora de manhã. Adorei.

Conheci meu marido no trabalho. Era o ano de 67. Ele já havia feito o curso Científico e havia entrado na faculdade de Ciências... . Para casar ele deixou a faculdade que também estava pesadíssima porque o salário dele era baixo. Em 70 nos casamos. Em 71 nasce a primeira filha. Ele estava fazendo faculdade de Administração Hospitalar, com bolsa de estudo da Prefeitura de Santo André. A fiscalização era séria. Eles ajudavam e, você precisava corresponder. Ele se formou. Vieram os outros três filhos. Muita dificuldade. Desemprego do esposo. Contas atrasadas. Um horror. Só quem passa é que sabe.

Mas o tempo passou... Graças a Deus, que o tempo passa e transforma as situações. Em 74 meu esposo faz vestibular para direito, passa e, começa a estudar, mas novo desemprego o obriga a deixar a faculdade e, deixa pendência lá. Ficou devendo. Em 91, ele presta novo vestibular e, passa...Na mesma faculdade que deixou para trás o débito. Para matricular-se precisou quitar o débito antigo. Começou mal. Fizemos um empréstimo e ele se matriculou no último dia.

Mas a vida não andava bem. As obrigações de casa, os filhos, a faculdade tudo estava difícil. Então surgiu uma luz no fim do túnel. A faculdade ajudava os alunos com dificuldade que quisessem continuar estudando. E lá vai meu marido pedir ajuda. Não foi tudo, foi pouca mas, era ajuda. A prefeitura já subsidiava a faculdade e esta ajudava mais um pouco . Ele se formou advogado, vinte e seis anos depois de nos casarmos.

E eu? Eu estou do planeta terra, né! Pé no chão e olho no futuro sempre. Continuei trabalhando como professora. Prestei concurso e me efetivei como professora. Novamente eu digo graças a Deus. Quando ele estava no último ano, em 96, fiquei sabendo, de repente, que a inscrição pro vestibular da Fundação Santo André terminava naquele dia. Eram duas horas da tarde. Algumas colegas iam fazer a inscrição e eu me juntei a elas. Inscrita, fiz o vestibular e passei entrando na primeira chamada. Foi um custo fazer a faculdade. Não é só a mensalidade. São os livros que são por demais de caros. É o transporte diário, é a alimentação pois muitas vezes não dava tempo de me alimentar e precisava comer na faculdade para não ter a famosa sonolência por fraqueza. E, graças a Deus, o Estado de São Paulo, governo tão condenado hoje em dia, envia muitos livros para formação profissional e eu os emprestava sempre. E empresto até hoje.

Fizemos a faculdade, meu esposo, eu, minha primeira filha, a segunda. Os meninos têm outros interesses mais urgentes no momento. Fiz a faculdade aqui no Brasil, pobre de marré, marré. Minhas filhas também: uma é excelente professora de português e inglês, e a outra fez Ciências da Computação,também é um gênio.
Também aqui, no Brasil, no Planeta Terra, com vestibular... e tudo mesmo que lei mandava.

Fomos ajudados por muitos brasileiros honestos, decentes, que nunca pegaram em armas, para intimidar ou matar outros brasileiros, pelo motivo que fosse. Ninguém nunca me discriminou ou, ao meu esposo – bem perto de ser negro – nem aos meus filhos.
Sempre ensinei a eles que a educação – primeiro a de casa que é a base de tudo- depois a acadêmica, que não pode e não deve se misturar com a doméstica- é aquilo que levaremos para o futuro, pois os objetos se perdem, o ladrão rouba, os bandidos levam, mas aquilo que ele tem na cabeça, nem morrendo ele perde, é dele pra sempre. Nenhum ladrão rouba, nenhuma arma lhe tira. Com o que guarda na mente sempre há um recomeço decente e, honesto.

Estou uma brasileira triste porque hoje a educação está um farrapo, começando pela familiar. Cadê o respeito pelo pai, mãe, vizinho, sociedade, respeito pelo que o outro tem? Respeito? Só na ponta da língua para exigir dos outros, respeito. As mães ensinam seus filhos os direito de reclamar , de protestar, de contar os defeitos dos outros, mas as obrigações ela não ensina há muito tempo. A escola recebe e aglomera esse contingente deseducado, egoísta e individualista. As mães não ensinam seus filhos mais a serem tolerantes a sair de uma situação constrangedora sem ofender, sem xingar. Ao contrário. Elas incentivam a violência toda vez que vai tirar satisfações com os colegas que “ofenderam” seu filhos, a ir à escola para reclamar com a professora que deu lição deu casa, que chamou a atenção do filho por algum motivo. Os jornais mostram a que ponto estamos chegando. Surgiu o “bullyng”, linguagem nova para o que sempre existiu na adolescência de cada um e que em casa a mãe ensinava a tolerar, a passar por cima sem se deixar abater. Hoje é caso de guerra, de polícia. E a Tolerância pra onde foi?

Estou uma brasileira triste que lê jornal diariamente, in-tei-ri-nho- sou assinante de mais de um - mas percebo que sou quase uma exceção, um etê, um ser fora da realidade, quando leio que o governo cria cota para o negro, estatuto diferenciado para os mesmos brasileiros com a cantilena da igualdade e é aplaudido! Meu Brasil, de brasileiros pobres, intelectualmente, não percebem que essas, sim , são medidas discriminatórias, preconceituosas... Que assim declara oficialmente o negro ou, preto, diferente, inferior, incapaz. Se ele está na mesma escola que os branco, com o mesmo professor, por que ele não consegue aprender? Por que ele diz que é tratado diferente? Aí os aproveitadores de plantão deitam e rolam de rir. E ganham votos em cima de uma mentira ou , de uma situação. No Brasil não existe escola só de brancos. Escola só para negros. Existe escola pública, para todos os cidadãos brasileiros! Elas têm as mesmas dificuldades tanto para branco como para negros. A mazela das escolas está no poder político, que tira da escola a competência de ensinar, de fazer seu trabalho com dignidade. Daí a diferença. Brasileiros com inveja dos doutores porque eles estudaram. Em vez que querer subir a escala social desejam que todos sejam iguais descendo a escada social, tornando todos iguais por baixo.

Estou uma brasileira triste, quando percebo que quem roubou a nação, que foi um ser marginalizado pela lei por seu comportamento inadequado ao viver em sociedade, é votado com imensa quantidade de votos. Estou uma brasileira triste, porque nesta eleição ficou claro a leitura que os moços fizeram e , eles não são bobos, de que roubar não é mal, matar alguém pode, desde que seja acompanhado da desculpa social, ele matou ou roubou para dar aos pobres e, isso pode. Rico não pode roubar, mas pobre...pobre pra depois ficar milionário, bilionário.

Estou uma brasileira triste hoje em dia, porque como professora, tive um ideal de moral que ensinei, que divulguei porque acreditava na moral que vem antes da ética. Sem moral, sem caráter, o ser humano não é ético. Como ele pode pensar coletivo se ele não pensa em si mesmo como um ser humano?

Estou uma brasileira triste porque os valores morais e sociais estão mortos. Se eu der, uma opinião contrária ao que acontece por este governo, que pra mim, é um desgoverno, sou chamada de” burgueis”, de eleite. Eu, eu que luto pela sobrevivência com salário de aposentadoria, merecidíssima, coisa que muitos conseguiram porque tem padrinho político, sem pagar um tostão, para apenas votar no DISTINTO, fulano.

Estou uma brasileira triste, porque o primeiro ato depois das eleições foi o aumento salarial de ministros e presidente de 56% e 2,7% para os restante do povo. Isso é justo? Alguém está pensando no povo ou, no próprio bolso? Depois das eleições o TCU embarga 42 obras federais sendo 32 do PAC. Silêncio antes das eleições, porque os compadres precisam ganhar. Rombo em banco nem é mais novidade. Ministros precisam ganhar bem para poder ir a favor de tantas mazelas “na cara larga” . Haja óleo de peroba!

Estou uma brasileira, aqui do Brasil, que vive, que estudou e estuda, aqui, não em outras galáxias. Que é pobre, que não amealhou fortuna com seu trabalho duro, mas honesto, em 44 anos de trabalho, que mesmo aposentada ainda tem que trabalhar para fazer frente as despesas de uma família.

Estou indignada com tanta bandalheira. Tira-se um presidente que diz que roubou, que era corrupto, que foi execrado por esse partido e governo, e agora, de mãos dadas, qual namorados apaixonados, se  aplaudem e querem que esse “modus operandi”continue. Não entendo. Não vejo e não leio notícias que o Brasil vai bem, que cresceu, que a pobreza diminuiu. Não leio. Esse universo nosso continua o mesmo, só que maior, com mais gente, com mais problemas. Mais gente, mais comida, mais emprego, mais hospital, mais ônibus, mais transporte, mais tudo. Quem vais dar conta disso? Só e somente DEUS!.
Estou uma brasileira triste, porque enquanto uns não estudam, porque não podem, os que podem, que tem dinheiro, falam com orgulho que nunca pegaram um livro para ler, que os que pegou não leu até ao final . Ganha um dinheirão para viajar, só. Pelé, Vicentinho, Serra, são exemplos de gente, gente que foi pobre, mas que venceu a pobreza com honestidade  e estudo. Não falo que nunca pecaram. Seria impossível pois são humanos. Falo que nunca foram maus exemplos pra educação como um todo.

Mas sou uma brasileira responsável, que trabalhou, que lutou inclusive durante a ditadura militar, com ideias e meus ideais para que a sociedade fosse mais justa, mais humana, menos egoísta, menos individualista, para que o Brasil nunca fosse cortado ao meio, dividido, fatiado como carne de quinta. Até durante a ditadura, nesse período foi que estudei, sempre tive as portas abertas. Não enriqueci . Não entrei e meu marido também não precisou de cotas para entrar na faculdade. Entramos pelo caminho da igualdade social; se todos fazem nós também temos que fazer. A lei ERA igual para todos. Ia preso que roubava banco, que matava... Era preciso disciplina, respeito acima tudo, e, com os exageros de qualquer governo, o que hoje em dia não é mais preciso, apenas se fala, mas não se cumpre. Declara-se impunemente que se faz caixa 2- sonegação de impostos e...nada! O político, delcara que ganhou indevidamente para ajudar compadrios e... nada.  Não quero ditadura de novo qualquer que seja. A ditadura militar é condenada e a que está sendo gestada atualmente  no PNDH3  , pode? Pode e´está sendo aceita, porque vem com a estrtégia de defender direitos do povo, que na verdade está sendo  tirado. Este texto, por enquanto será publicado por causa do direito de livre expressão. Mas está com os dias contados pois a imprensa já está de mordaça erguida, pronta pra lhe mamordaçar a boca, as mãos, e os pés! E estamos ganhando velocidade para esta nova ditadura, desta vez disfarçada de democracia, com direito a aborto, morticínio infantil covarde e bruto. O populismo mais brutal está vencendo. Só Deus é por nós agora. Meu coração verde amarelo dispara de ansiedade!



Imagem: Google!
MVA
Enviado por MVA em 15/11/2010
Reeditado em 16/11/2010
Código do texto: T2616086
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