O “LAR” DO MEDO

Somos pessoas medrosas. Quanto mais pessoas eu conheço, mais me sinto esmagado pelo poder negativo do medo. Muitas vezes parece que o medo invadiu todas as partes de nosso ser a tal ponto que não mais sabemos como seria a sensação de uma vida sem medo. Parece que há sempre algo a temer: algo dentro de nós ou à nossa volta, algo próximo ou distante, algo visível ou invisível, algo em nós, nos outros, ou em Deus. Parece que nunca vai haver um momento totalmente liberto do medo.

Quando pensamos, falamos, agimos ou reagimos, o medo sempre estar ali: uma força onipresente da qual não conseguimos desembaraçar-nos. Muitas vezes, o medo penetrou tão profundamente em nosso ser interior que, estejamos ou não cientes disso, ele passa a controlar nossas decisões e escolhas.

De muitos modos o medo nos engana e controla. O medo pode deixar-nos perturbados e raivosos. Pode levar-nos à depressão e ao desespero. Pode envolver-nos na escuridão e fazer-nos sentir próximo da destruição e da morte. O medo pode tornar-se tão intolerável que temos vontade de fazer qualquer coisa para sentirmo-nos aliviados – até matar a nós mesmos. Não raro, ele aparece como um cruel tirano que se apossa de nós e força-nos a viver em sua “morada” . De fato, a maioria de nós, pessoas do séc. XXI convive na morada do medo a maior parte do tempo. Tornou-se um local de moradia óbvio, uma base aceitável sobre a qual tomamos decisões e planejamos a nossa vida.

Mas por que temos este medo terrível? Por que é tão difícil encontrar pessoas sem medo? Existiria tanto medo se ele não fosse útil a alguém? Fiz essas perguntas desde que tomei consciência do absorvente medo que havia em mim e nos outros. Aos poucos, comecei a perceber o fato elementar de que aqueles que eu temia possuíam grande poder sobre mim. Aqueles que podiam amedrontar-me podiam também me obrigar a fazer o que queriam que eu fizesse. As pessoas têm medo por muitos motivos, mas estou convencido de que a íntima conexão entre o medo e poder merece especial atenção. Um imenso poder é exercido incutindo—se o medo nas pessoas e mantendo-as medrosas. Há crianças medrosas, alunos medrosos, pacientes medrosos, empregados medrosos, pais medrosos, políticos medrosos e sacerdotes medrosos. Quase sempre, uma figura ameaçadora encontra-se atrás deles e mantém-os sob controle: um pai, um professor, um médico, um chefe, um bispo, uma igreja ou Deus. O medo é uma das armas mais eficientes nas mãos daqueles que buscam controlar-nos. Enquanto somos mantidos no medo, conseguem fazer-nos agir, falar e até pensar como escravos.

A agenda da sociedade - as controvérsias e informações que preenchem os jornais e os programas de notícias – é uma agenda de medo e poder. É espantoso sim, é assustador ver com que facilidade essa agenda torna-se nossa. As coisas e as pessoas em que pensamos com que nos afligem sobre as quais refletimos para as quais nos preparamos e com as quais despendemos tempo e energia são em grande parte determinadas por um mundo que nos seduz para que aceitemos suas perguntas temerosas. Vejam quantas perguntas com um “se” nós nos fazemos. “O que vou fazer se não encontrar uma esposa, uma casa, um emprego, um amigo, um benfeitor”? O que vou fazer se me demitirem se ficar doente, se acontecer um acidente, se perder meus amigos, se meu casamento não der certo, se estourar uma guerra? E se ocorrer um terremoto? E se alguém roubar meu dinheiro, arrombar minha casa, estuprar minha filha ou matar-me? E se não conseguir ganhar o pão de cada dia? Escutem também as muitas perguntas com um “como”: “como criar meus filhos num mundo cheio de destruição, como ser uma pessoa bem sucedida, como manter meu bom nome entre os vizinhos”? Como conseguir chegar até o céu? ”“.

Uma imensa cadeia de perguntas aflitivas está à nossa volta e começa a dirigir muitas, se não a maior parte, de nossas decisões diárias. Evidentemente, aqueles que têm força para proclamar tais perguntas atemorizantes que nos amarram por dentro possuem verdadeiro poder sobre nós. Pois, escondida sob as perguntas deles, encontra-se a ameaça de que se não lhes seguirmos as instruções nossos piores temores tornar-se-ão realidade. Uma vez tendo aceitado essas perguntas como se fossem nossas e nos convencido de que precisamos encontrar respostas para elas, tornamo-nos cada vez mais fixados na morada do medo. Ao considerarmos o quanto nossas vidas em termos educacionais, políticos, religiosos e até sociais estão atrelados à busca de respostas a perguntas nascidas do medo, não é difícil entender por que uma mensagem de amor tem pouca chance de ser ouvida.

Perguntas medrosas nunca levam as respostas plenas de amor; sob cada pergunta medrosa acham-se escondidas muitas outras perguntas medrosas. Uma vez tendo decidido que para ter um filho eu preciso ser capaz de oferecer a esse filho uma educação universitária, sou apanhado em

Muitas novas perguntas aflitivas a respeito de meu emprego, do local onde moro, dos amigos que faço, e assim por diante. Uma vez eu tendo a crença de que Deus está querendo apanhar-me por mau comportamento, esquemas morais complicados começam a ocupar minha mente. Uma vez eu tendo concluído que não posso ser feliz sem amigos influentes, estou sob ameaça de levar uma vida social cheia de angústia. Portanto, medo gera medo, medo nunca gera amor.

Se isso é verdade, a natureza das perguntas que fazemos é tão importante quanto às respostas às nossas perguntas. Que perguntas orientam nossas vidas? Que perguntas tomamos como nossas? Que perguntas merecem nossa inteira atenção e pleno compromisso pessoal? Encontrar as perguntas certas é tão decisivo quanto encontrar as respostas certas.

É por isto que somos convidados para “mudarmos de lar”, para um lar onde podemos rir, brincar, sonhar, “tocar” o outro como amigo, chamá-lo de irmão, estender o braço, acolher...

Todo ser humano quer ser amado; todos querem viver neste lar, só não sabem como. Eu, você, todos nós devemos nos munir de vontade de somar com o outro; de ir a direção ao outro de construir um “lar” onde somos como somos, mas que não precisamos ter mais medo de caminharmos em direção ao outro, buscado à soma multiplicadora, para fazermos do lugar onde moramos um Paraíso, um lar de amor.

***Escrito a partir de uma palestra de Nowen***

Beto Lisboa
Enviado por Beto Lisboa em 11/11/2010
Código do texto: T2609441