Negar a dor

Faz parte da natureza humana negar a dor, tentar apagar tudo que nos remeta ao momentos de sofrimento, muitos até conseguem essa façanha, mas maioria das pessoas não o conseguem e ainda solidificam em seu ser, profundamente petrificado no peito a mágoa que a vida lhe impingiu, com reações adversas, cada um a sua maneira demonstram essa dor. Uns se recolhem num mundo próprio, praticamente se tornam escravos ou prisioneiros de si mesmos e de suas lembranças. Outros tentam culpar alguém ou mesmo o mundo por suas angústias, descontando ou por assim dizer, atirando para todos os lados, como se isso fosse aliviar seu sofrimento, o que não ocorre pois o efeito é contrário do desejado, jamais alguém vai conseguir se sentir melhor odiando o mundo, por fim acabará só.

O melhor a fazer é tentar redescobrir ou se assim o quiser, reinventar novo motivo pra viver, reorganizar na mente suas prioridades, organizar o coração pensando de forma clara, dando valor ao que tem realmente valor, e jogando fora tudo que não lhe serve pra nada, por exemplo de que lhe adianta a conjectura: "se" não tivesse acontecido estaríamos bem, o "se" não existe, não é real, por que se torturar. Sei que não é fácil mas é necessário exercitar a aceitação do que não pode ser modificado.

Quando perdemos alguém que amamos, queremos explicações, fazemos perguntas que ninguém pode responder, e pra piorar as coisas tentamos descobrir de quem é a culpa pela perda, enquanto nos dedicamos a fazer papel de investigador, inquisidor e juiz, só conseguimos aumentar o ferimento provocando mais dor, espalhando aos quatro ventos nossa indignação. Mas tudo isso tem que ter hora de parar, ninguém é mais culpado pela dor do que nós mesmos, é necessário nos conscientizar que não adianta procurar explicação no que não tem mais volta. Perdi minha filha com cinco anos de idade, travamos uma luta injusta com um câncer desde seus dois meses de vida, travamos uma grande batalha, mas nunca em hipótese alguma perdemos a fé. Me dediquei de corpo e alma aquela vida, até a exaustão mas sempre com um sorriso nos lábios, vivi intensamente aquele amor. Mas a perdi, ela se foi me deixando com um gosto amargo na boca, os braços vazios e o coração cheio de amor. Pensei comigo e agora o que faço com esse amor dentro do peito, essa saudade sem fim, e o olhar perdido no horizonte caçando pegadinhas no céu.

Resolvi me recompor e lutar por meu casamento, que de tão dilacerante a perda se tornou dolorosa a convivência, por sorte nos amamos muito e lutamos bravamente um pelo outro, redirecionamos o amor que ela nos deu um para o outro, voltamos a fazer planos e a sonhar com o futuro, ninguém vive sem sonhos.

De nossa filha guardamos as lembranças de um amor sem fim, além da morte, que com certeza vamos nos encontrar um dia conforme a vontade do Pai, enquanto isso não acontece vamos nos exercitando pra superar a saudade, falando dela toda vez que der vontade, sem se policiar ou inibir, e assim os fleches vem a mente, várias vezes por dia acontecimentos marcantes de alguém tão genial e encantadora que não é justo nem possível tentar esquecer.

Quando tudo parece perdido, precisamos reagir, olhar para fora ou melhor em volta, tem pessoas que nos amam nos esperando pra voltar a vida. Da pessoa que partiu guardamos as lembranças que fizeram dela alguém tão marcante e especial, que enquanto esteve presente nos ensinou e alegrou inspirando a todos a fazer o mesmo.

Bê Duarte
Enviado por Bê Duarte em 23/10/2010
Código do texto: T2573013
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