Sinergia?

São jovens, intocáveis, filhos únicos, lêem Clarice e Caio F. desde os quinze, fumam desde os dezesseis, transam desde os quatorze e fumam maconha desde os dezessete. Aos dezoito consideram-se o baluarte da mente aberta, a inovação da raça humana. Ouvem MPB, são polígamos, lêem Dostoievski e Nietzsche, viajam todos os feriados, gastam o dinheiro dos pais em consumo supérfluo e são a favor da sustentabilidade. Tem quarto separado, não se dão bem com os pais, não dobram cobertores ou lavam louça, mas batem a cinza no cinzeiro com foto do Batman. Jogam as bitucas no chão, têm câmeras caríssimas, sentam nas calçadas dos grandes centros, flutuam no saguão de cinemas undergrounds, falam complicado nas filas do teatro, usam jaquetas de couro, assistem séries americanas, viajam para Nova Iorque, repugnam o trabalho, acordam meio dia, twittam do IPhone e batem ponto na Starbucks. Forçam sotaque sulista, orgulham-se dos porres, beijam desconhecidos, desprezam o amor, são hereges assumidos nas rodinhas dos fumantes, usam Havaianas brancas, vão às festas da USP mas estudam no Mackenzie e não trabalham, são descolados, surfam nas férias, são a representação máxima da Vontade, da Vontade segundo Schopenhauer.

São jovens, reprimidos, misantropos, lêem Patricia Highsmith e André Vianco desde os dezesseis, desprezam o cigarro, transam desde os dezoito e trabalham desde os quinze. Acham-se feios e deslocados, trabalham em empregos de salários aviltantes e têm a pele queimada do sol. Tem as unhas sujas de graxa e as palmas das mãos calejadas com farpas de madeira fincadas. Tem os cotovelos ralados, perfurações nos joelhos, falam pra dentro, detestam chamar a atenção e lêem Agatha Christie em quartos mal-iluminados com um gato no colo e uma caneca de café ao lado. Não bebem, correm, falam na gíria, são educados e tímidos, se dão bem com a família, pegam ônibus lotado e dão todo o salário na faculdade. Tem pavor de entrevistas de emprego, problemas em manter relacionamentos, raramente viajam, não jogam lixo pela janela do ônibus, têm impulsos coléricos, levantam pesos, usam camisinha, namoram, pedem "por favor", detestam guarda-chuva, moram em Conjuntos Habitacionais, dividem o quarto e veneram a própria cama.

São tantas diversidades, tantas culturas em choque, tantos contrapontos unificando os paradoxos, tantas ignomínias, tantas adversidades, tantos bairros, tantas viagens, tantas histórias, tantas cidades, tantos pontos-de-vista (?), tantas bocas, tanta combinação de bocas, de olhos, de cabelos, de mãos, de vontades, de sonhos, de medos, de repulsas, de preconceitos, de experiências; é tanta hostilidade, tanta música, tanta humildade, tantos óculos, tantos ósculos, tantos semi-desconhecidos, tantos nomes de animais de estimação se fundindo na cacofonia da Terra, tantos desencontros, tantos beijinhos no rosto e tapinhas nas costas, tantas descargas sendo puxadas, tantas guitarras sendo tocadas, tantas mãos sendo lançadas em lugares proibidos em locais proibidos em atos proibidos; é tanta cognição rasa, tanta conversa supérflua, tanta ideologia furada, tanto tatear o nada, tanto tatear o tudo que não pertence à nada nem a ninguém.

São tantas pessoas... Quem é você?

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Escutando a banda que mais tem me acompanhado na minha caminhada nesta vida.

Doves - Cedar Room

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 18/10/2010
Reeditado em 19/10/2010
Código do texto: T2564640
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