“Dreams! Dreams! Dreams!”
Não há um dia no qual eu não agradeça a Deus pela existência do sono: estaria apenas macaqueando meus grandiosos precursores se tentasse elaborar o quão seu raciocínio sobre o sono ser uma pequena morte, ou o irmão da morte, está correto. No entanto, digo de forma ainda mais altaneira que o sono é uma das únicas provas da existência de um Deus bondoso, que reluta em abandonar sua criação por mais imerecedora que seja de suas graças.
Por algumas breves horas somos abençoados com o escapismo da realidade que nos cerca – podemos sentir um breve gosto da morte que aguarda tanto ao justo quanto ao injusto, ao rico e ao pobre, ao velho e ao moço; uma pequena amostra de um sono definitivo, último triunfo do Homem como um todo, recompensa do bom e opróbrio do mau. Dormimos – e sonhamos: sonhos que podem nos trazer presságios de consolo, duplicar nossos tormentos ou até mesmo comunicar-nos mensagens cujos segredos apenas Deus e as profundezas do oceano de nossos corações conhecem.
Talvez não seja um pensamento demasiado errôneo aquele dos platonistas, que pregam que, durante o sono, a alma desprende-se do corpo e, aproveitando este raro momento de liberdade irrestrita antes de poder ser recolhida definitivamente ao lugar de onde veio, singra por incontáveis dimensões, ocultas em meio ao tecido deste vasto Universo, apreendendo aos borbotões novos cenários e estímulos – que, misturando-se às impressões carnais de nosso corpo, resulta na aparente confusão dos sonhos. (E, errôneo ou não, pois refutar tal ou tal escola de Filosofia não é algo de meu escopo, não se pode negar que é, ao menos, belo – como muitos dos preceitos do platonismo.) Como dizia Blake, porém, “prefiro criar meus próprios sistemas a escravizar-me aos de outrem”, e em minhas horas de preguiça gosto de entreter um ou outro filosofema que explique meus inquéritos de um modo poético, sem prezar por sua acurácia científica ou empírica.
Certa vez, pondo um fim ao grande impasse do que nos sucede no Além-Túmulo (e agradecendo por viver num século onde não posso ser queimado como um herege por minhas opiniões), conjeturei que, já que a morte não passava de um longo sono, o que vem depois é um sonhar eterno: dependendo do maior ou menor grau de iluminação atingido por uma alma, poderia ela residir num eterno sonho, apoteose de seus anseios, ou num pesadelo, sendo forçada a despertar ao mundo humano mais uma vez para retificar seus erros após um dado período. Cada qual com seu quinhão, aquele que “fala a língua dos bois” sonharia eternamente com seus bois, e os de pensamentos mais elevados contemplariam parcial ou completamente os grandes arcanos celestes (ou qualquer outro summum bonum de suas investigações) se revelarem ante seus olhos como num livro aberto. Pode não ser um pensamento muito original – mas é belo, ao menos a meus olhos, e contento-me, como o bom poeta que sou, em cantar a meus modos as belezas do mundo, não compreendê-las.
E com o que sonharia eu? Pode ser que esta seja a principal pergunta na mente de algum inquisitivo, vivaz leitor. E a ele respondo: é uma críptica página esta que haverei de desnudar a seu entendimento. Frutos de sofrimentos, saudades e efeitos colaterais de anseios de conhecer o Desconhecido, as paisagens de meus sonhos são um reflexo das grotesqueries que permiti se instalarem em minha mente – e nos dias em que sou abençoado com um sono ininterrupto (já que minha punição por tantos pecados que cometi foi ter sido entregue ao férreo jugo da Insônia), mal fecho os olhos começam a desenhar-se; sempre as mesmas, sempre do mesmo modo.
Não apenas quando durmo, posso também vê-las acordado: como se já as houvesse visitado em corpo físico tantas vezes quanto as admirei em sonho, consigo conjurar suas lembranças em questão de segundos, e visualizar cada detalhe vividamente. Algumas aparecem com mais frequência; outras, menos. Há paisagens que já não vejo em meus sonhos com tanta regularidade (apesar de retornarem mais cedo ou mais tarde), e há as que surgem por dias e dias a fio, imutáveis. Se possuem algum simbolismo inerente deixo tal matéria à especulação de algum José ou Daniel redivivos – mas, de qualquer forma, será um grande prazer orientá-lo pelas galerias de minha mente, ó cortês leitor. Apenas não permita que seus sulfúricos vapores afetem-lhe em demasiado o espírito – conselho este que serve não só à exposição à minha obra, como também, num sentido mais literal, à minha pessoa.
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Vejo o mar em meus sonhos com muita frequência. Nove de cada dez vezes, afogando-me nele. Tal qual um anjo caído, sou lançado de uma altura aterradora rumo a ele, despencando em suas profundezas sem nada enxergar – sinto apenas uma dor excruciante nos membros ao tentar nadar à superfície, pois a potência de minha propulsão não permite-me alterar de posição. Noutros sonhos menos agourentos, posso explorá-lo mais livremente.
O fundo do mar sempre apresenta-se a mim num interessante espetáculo de luz e sombra, o que compensa o fato de ser, na maioria das vezes, desprovido de vida. Os poucos peixes que avisto são demasiadamente pequenos, ou híbridos monstruosos muito similares ao Antennarius striatus ou ao Pterois volitans. Peculiares formações rochosas, ou estranhas e gigantescas algas, erguem-se desenhando quadrados, círculos, elipses, losangos ao fundo; a água é de cores vívidas, repulsivas, geralmente vermelho, bege e turquesa. Sinto medo e admiração, como se tais águas escondessem algum mistério indescritível.
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Tarde da noite, numa rua de aparência antiga (entretenho o pensamento de que seja em Londres, devido ao ar vitoriano do ambiente como um todo e a uma construção deveras similar ao Big Ben, que se destaca entre as demais), um homem e uma mulher batem à porta de uma grande casa. A mulher carrega um bebê; todos os três têm seus traços faciais obscurecidos devido à fraca iluminação. A porta se abre – não se pode ver quem está do outro lado. O único detalhe visível no interior da casa é um relógio pendurado à parede: seu pêndulo dourado balança para lá, para cá, para lá, para cá…
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Um belo prado verdejante se estende além do horizonte; um límpido riacho separa a paisagem em duas. Por toda parte caminham, conversando entre si, pessoas dos mais variados períodos da História – há gregos de toga, centuriões romanos, trovadores e cavaleiros medievais, índios, soldados nazistas, todos rindo e interagindo entre si de forma cordial. Vez por outra, alguns param e olham para o céu azul como se aguardassem algo.
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Lembro-me de ter tido este sonho quando era uma criança de pouco mais de 6 anos, se a memória não me falha. Numa estrada mal iluminada, distante de qualquer vestígio de civilização, carros e crianças se enfileiram até onde o olho não mais enxerga. Cada carro é conduzido por um anjo; as crianças devem embarcar para que sejam levadas ao Céu ou ao Inferno. As que vão ao Céu têm uma luz verde brilhando em seu coração, e as destinadas ao Inferno têm uma luz vermelha. Levando de três em três crianças, os carros saem decolando rumo à imensidão.
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Numa sala escura, iluminada tão somente por um globo de luz suspenso do teto, há um trono ricamente adornado com cenas da Vida – não muito diferente dos escudos de Aquiles ou de Eneias. As miniaturas são tão vívidas que parecem se mexer ante meus olhos na tênue luz – alguma divindade de extrema glória haverá de retornar para sentar-se nele.
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Estou dentro de uma magnífica catedral gótica, adornada com magníficos vitrais. O que mais chama minha atenção, porém, é a estranha estátua de uma santa no centro do altar. Aparentemente a santa foi martirizada por fuzilamento, por isso pedem-lhe graças de modo deveras peculiar: trazendo armas de fogo para o templo, pessoas alvejam a estátua com projéteis.
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Estou no topo de um longo viaduto, erigido no meio do oceano. Se olho à minha frente, posso ver diversos bondes e locomotivas sobre trilhos ferroviários, que cortam as águas em improváveis direções. Pergunto-me aonde tantos trilhos vão dar, ao mesmo tempo que me encanto contemplando o azul do mar e o do céu, e o modo como o Sol refulge na superfície do oceano e na lataria dos veículos.
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Um vasto e escuro cômodo quadrilátero, sem portas ou janelas. A única fonte de luz emana de meu próprio corpo, por alguma razão – ando tateando as paredes, procurando alguma saída, mas nada encontro. Se afasto-me das paredes e sigo ao centro do cômodo, um frio enregelante fustiga-me o corpo, e gemo de dor e medo.
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Corro por um longo corredor, repleto de portas, numa casa de ares japoneses. Sempre que passo por uma das portas, retorno ao ponto de partida, mas o corredor deforma-se a cada porta que é aberta – como se a casa estivesse derretendo. Sou perseguido por duas criaturas: a primeira assemelha-se a uma enorme cabeça de gato, bípede, coberta de olhos. Três bocas de tamanhos divergentes cortam-lhe o corpo; suas línguas coleiam feito serpentes. A segunda criatura lembra-me um enorme urso de pelúcia amarelo e sem rosto, com martelos no lugar de mãos. Quando um dos dois me avista, corre em minha direção, derrubando-me ao chão de um modo estranhamente afetuoso – seu toque é macio, esponjoso, como se fossem feitos de borracha. Talvez estejamos jogando algum jogo?
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Ziguezagueando por um labirinto, procuro por seu fim. O chão, as paredes e o teto são feitos de tecidos humanos; grossas veias pulsam ruidosamente, e uma miríade de olhos gira em orifícios espalhados por todo canto. O ambiente emana um repugnante brilho rubro, e as paredes são gelatinosas e desagradáveis ao toque: ainda assim, não consigo evitar de tocá-las propositalmente, apenas para sentir o pulsar das veias e divertir-me com os olhinhos retraindo-se, como moluscos dentro de suas conchas.
Similarmente, às vezes vejo-me num quarto “vivo”, situado nas entranhas de algum monstro. Até onde consigo perceber, os olhos são as janelas, um ouvido é a porta e a cama é uma língua cercada de pontiagudos dentes. As paredes são, igualmente, cobertas de veias; contraem-se e expandem-se, como se respirassem. Deito-me na cama, e resolvo conversar sobre banalidades com o quarto – ele parece ouvir-me, e suas pulsações tornam-se ora mais lentas, ora mais rápidas, como se quisesse responder-me. Estranhamente, a atmosfera é similar a uma pintura de Van Gogh. Suspeito que o labirinto e o quarto estejam interligados, de alguma forma.
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Uma cidade em preto e branco, abundante em torres e arranha-céus. Apesar de sua aparência moderna e bem cuidada, sou a única pessoa a caminhar por suas ruas, como se o lugar houvesse sido extirpado de seus habitantes apenas muito recentemente. Com um par de binóculos, observo o interior de seus apartamentos – tudo foi deixado intacto. Cozinhas, salas de estar, quartos, banheiros esperam pelo retorno de seus ocupantes, congelados eternamente como numa fotografia.
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Estou num mirante, observando a praia logo abaixo. Estranhamente, uma miríade de prédios se ergue na areia – eles têm uma aparência cartunesca, como se uma criança os houvesse desenhado, e apesar das várias janelas não consigo enxergar nenhuma porta. Ao fundo, o mar.
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Dentro de um navio naufragado há um mundo autossuficiente estranho; funde a fauna e a flora terrestre com a submarina. Há árvores livremente misturadas a algas, anêmonas, esponjas e corais. Seus habitantes são extraterrestres, ou seres mágicos, semelhantes a pêssegos flutuantes – apesar de falarem, não consigo ver nenhuma boca, ou qualquer traço facial como um todo. Em suas “barrigas” brilha algo dourado, semelhante a um kanji japonês. Um sonho bizarramente feliz, que me deixa com uma sensação de paz.
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Uma rua deserta, com exceção de uma única casa. É de noite; o céu é negro como breu, e não se veem estrelas ou a Lua – fora a casa, para qualquer direção onde se olhe há apenas grama. A casa é de aparência aconchegante; é branca, tem uma grande janela e um telhado vermelho. Sinto nostalgia no sonho, como se esta casa fosse alguma velha conhecida de meu passado. A atmosfera geral quase me faz lembrar de algum desenho animado de minha infância.
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Subo as escadas do que parece ser um prédio; no entanto, não vejo nenhuma porta – apenas as janelas, quadradas e pequenas, por onde se pode ver um pedaço do céu azul. A cada andar que subo, paro para observar o céu por uma das janelas; as paredes brancas e o chão preto dão a tudo um ar levemente inquietante.
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Minha amiga Naoto e eu resolvemos frequentar um bar de temática cyberpunk, inspirado na obra de Fausto Fawcett. As paredes de seu interior lembram placas de circuitos, e somos atendidos por garçonetes em estranhos uniformes futurísticos – todas elas são idênticas, estereotípicas bonecas Barbie louras e de olhos azuis. “Androides”, penso eu no sonho.
Minha atenção é dirigida a um console de videogame a um canto, e decido brincar com ele. Como eu e Naoto já estamos um bocado embriagados, meu desempenho no jogo é péssimo, e ela não consegue parar de rir de mim enquanto observa-me a jogar.
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À minha frente observo, atenta e até mesmo prazerosamente, um quadrado de luz. Pergunto-me se é alguma espécie de portal. Posso discernir fracamente duas silhuetas encarando-me de volta – algo lá dentro, que não sei dizer o que é, parece chamar-me. Fico triste por não conseguir adentrá-lo.
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Estou andando por um belo bosque durante um nublado dia de outono. A paisagem é encantadora e pitoresca. Por entre os galhos das árvores, repletos de folhas douradas, pousam pássaros com cabeças humanas – seus diminutos corpos de pássaro são encimados por hediondas cabeças de homem em tamanho real, gordas e calvas. Os pássaros conversam entre si numa língua que não entendo – ou que não me recordo.
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Sou passageiro num carro. Sentado no banco de trás, olho a paisagem pelo vidro: postes, campos, colinas, edifícios muito distantes – não sei, no entanto, para onde estou indo, e o carro faz constantes volteios ao deparar-se com qualquer desvio na estrada. Consigo ver apenas o dorso indistinto do motorista; ele não dirige-me a palavra por todo o percurso, tampouco eu a ele. Ao mesmo tempo em que sinto-me ansioso para chegar a meu destino, em meu âmago desejo que a viagem não termine nunca, para que eu continue a admirar as paisagens.
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Estou caminhando pelos desertos do antigo Mar de Aral – areia e montanhas se estendem em todas as direções. Avisto ao longe um velho e enferrujado navio que julgo estar abandonado, mas à medida que me aproximo sou saudado por um rapaz, que explica-me que o navio é sua casa. Ele deixa-me subir a bordo, e me surpreendo com a vastidão e a elegância do interior de sua residência tão fora do comum – o lugar parece ser maior por dentro do que por fora.
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Um conjunto de construções estranhas surge em algum ponto no Mar do Japão (de acordo com o que o sonho me indica). Há seis ou sete delas, todas semelhantes a faróis ou a obeliscos – e mais algumas que foram deixadas inacabadas ou em ruínas, somente suas bases restando. Sua aparência é muito antiga, transmitindo um ar bizarro de solenidade.
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Um campo seco e desolado. O céu é cinza e fumacento, como se pressagiasse uma grande tempestade. Olho ao meu redor: não há nada fora a grama, bege e de aparência doentia. Após andar por alguns minutos, deparo-me com uma torre murada – nenhuma porta há que permita-me acesso a ela, porém. Ponho as duas mãos no muro, e para meu grande espanto a torre esboroa, deixando escapar uma profusão de luz e milhares e milhares de fadas e querubins.
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Sigo por uma estrada e de repente me vejo à beira de uma montanha. O céu tem uma cor peculiar, beirando entre o verde e o cinza. Contemplando a paisagem em um ponto já bastante elevado da montanha, vejo os enormes telhados de casas se desenhando no horizonte; como num cenário de algum filme expressionista alemão, são distorcidos e se assemelham a fileiras de presas que cortam o céu. Antenas fantásticas ziguezagueiam em todas as direções.
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Caminho em meio aos túmulos de um cemitério – pareço procurar por uma lápide em particular. Apesar de diferirem em tamanho, nenhuma delas possui nomes ou quaisquer outras informações que identifiquem seus ocupantes. Deparo-me de repente com uma pequena estátua: uma santa (bastante similar às representações usuais da Virgem Maria), vestida num manto rubro, pisoteando um crânio com o pé direito. Algo nesta imagem parece seduzir-me muito.
Num outro sonho, pareço estar no saguão de um suntuoso palácio que é, simultaneamente, ocidental e oriental – observo uma pintura pregada a uma parede, representando a mesma figura de contornos femininos de manto vermelho; a diferença é que, desta vez, ela possui uma cabeça de corvo e carrega um orbe cristalino na mão direita. Próximo a seu pé direito há a miniatura de alguma catedral. Quem, ou o que, é esta entidade?
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Uma entidade incorpórea feita de pura malignidade cruza o Universo; enxergo-a como uma névoa de cor púrpura. Talvez seja o diabo. Aproximando-se do Sol, a entidade proclama: “A Terra há de conhecer a intensidade de meu ódio!”, e grava no Sol o sigilo de Azrael. O Sol se apaga, trazendo frio e escuridão ao planeta.
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Estou andando por uma rua de aparência asiática. É de noite; o céu está completamente escuro, e a luz dos postes a iluminar o ambiente é ameaçadoramente rubra. Tudo me faz lembrar de algum filme pornográfico ou um red light district.
Paro defronte a uma das casas – a única a não ter uma porta. Afasto as cortinas e adentro a residência, desprovida de qualquer mobília – por trás de uma porta de madeira, vejo a mulher que amei, inteiramente desnuda e com símbolos profanos (pentagramas, crucifixos invertidos) cortados por todo o seu corpo, gotejando sangue. Assustada e envergonhada, ela cobre os seios com os braços.
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Um lago subterrâneo, ou coisa que o valha; cercado por paredes e um teto que parecem se estender ao infinito, a água em si tem uma doentia coloração turquesa. Estou num bote, singrando o lago à deriva, quando repentinamente me deparo com uma plataforma na qual duas estátuas se assentam ameaçadoramente: duas mulheres portando tridentes os apontam para a água, numa posição um tanto quanto marcial.
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Uma rua que me faz recordar do Mediterrâneo – mais precisamente de paisagens italianas ou francesas. Ao passar próximo de um restaurante ou coisa do tipo, vejo numa mesa duas cabeças grotescas me encarando: um senhor idoso, calvo, que parece um balão, e um outro ser humanoide semelhante a um sapo ou uma pera. Ambos usam o mesmo par de óculos comicamente diminutos; parecem divertir-se tanto comigo quanto eu com eles.
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Investigo os arredores de um campo coberto de folhas secas, apesar de não haver nenhuma árvore à vista. Ocasionalmente me deparo com macacos esqueletais vagueando livremente – aos meus pés, algum tempo depois, vejo a cabeça decapitada de um macaco.
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Montado num camelo, cruzo as arenosas dunas de um deserto – é de noite, e a areia possui uma estranha coloração roxa. Guiando-me está um diminuto, atarracado homenzinho em trajes tipicamente árabes: um enorme turbante bamboleia em sua cabeça. Com um longo dedo ele aponta-me à frente; desço do camelo e, avançando lentamente, vejo uma imensa estátua de um anjo, ou uma mulher alada, se desenhando no horizonte. Segurando uma trombeta, leva-a aos pétreos lábios, esperando avidamente pela ocasião propícia para assoprá-la.
“Esta é a primeira vez que contemplará o Vale de Jehoshaphat”, explica o árabe. “Haverá de voltar, pela segunda e derradeira vez, quando chegar a hora – e então ouvirá esta trombeta tocar, anunciando as terríveis notas do ἔσχατος.” Penso, então, quando será esta segunda vez em que ouvirei o anjo tocar sua trombeta, trazendo de tudo e todos o
FIM.
(São Carlos, 30 de maio de 2022
Reeditado em 18 de novembro de 2024)