Boa noite

Desligue a luz. Todas as luzes. As luzes dos postes, dos carros, dos celulares, dos cigarros, das televisões e dos computadores. Desligue tudo. Desligue-se de tudo. Agora vá para a rua. Ela está calma, sem nenhum barulho. Nem conversas, nem carros, nem música. É possível ouvir o barulho da leve brisa que passa por ela, mexendo delicadamente as folhas das árvores até então paradas. Ouse abrir um pouco os botões da camisa para sentir essa brisa acariciar seu corpo. Tire os sapatos dos pés, folgue o cinto, solte seus braços, esqueça esses papéis e essa pasta que você carrega desde o amanhecer.

Pronto, agora veja: nenhuma luz ligada, mas a rua está bem iluminada. Você agora pode enxergar com nitidez o brilho das estrelas e da lua nova. Você ouve o barulho da brisa passando, sente seu frescor, ouve o barulho das folhas balançando. Você está leve, parece até livre. Livre das obrigações, do stress, das imposições da sociedade, das ordens do seu chefe, das cobranças dos vizinhos e dos amigos, dos horários a cumprir, da televisão que você deve assistir, nas coisas que você deve ouvir e em tudo o que você deve [ou não] falar. Deixe a noite falar. Deixe as estrelas brilharem e você sentir o mundo de uma forma diferente. Apaixone-se por tudo o que você está sentindo agora, por tudo o que você vê e tudo o que você consegue agora, livre, pensar. Não se preocupe com o que o vizinho vai dizer de tudo isso, ele está dormindo agora o sono dos bobos. Não tenha medo dos ladrões porque ninguém será capaz de roubar esse momento de você.

Claro, você não deve jogar tudo o mais no lixo, porque tudo o mais é muito importante. A sociedade, o trabalho, as obrigações, os vizinhos, enfim... Porém, aja apenas como se fosse um detento em um breve momento de liberdade. Esqueça de todo o resto somente nesses minutos. Antes que algo venha atrapalhar isso. Lembre dos momentos bons da sua vida, de toda ela; as pessoas que passaram por você e que te fizeram feliz, aquelas que magoaram, mas que ensinaram algo bom mesmo em situações ruins. Lembre-se até mesmo do que quase não consegue lembrar. Daquele momento que vem fragmentado, daquela voz que é quase desconhecida e vem ao longe. Pense também no futuro, nos seus planos, projetos, desejos, amores... Agora pense no hoje. O que você está fazendo? E o que estão fazendo com você? O que você está fazendo com os outros? Pergunte, pergunte. Queira saber, queira refletir sobre tudo que está se passando no momento compreendido na palavra AGORA. Quem você é? Não queira saber de onde você veio ou pra onde vai, mas sim onde você está, pois essa resposta ajudará a responder as outras duas. Converse com você mesmo, converse com os fatos. Estranhe. Pergunte. Agora abotoe a camisa, calce os sapatos, aperte o cinto. Levante-se, tire a poeira da calça, apanhe os papéis e a pasta que você jogou no chão. Olhe pros lados com cuidado para não ser surpreendido por nenhum ladrão, cuide também para não estar sendo vigiado pelo seu vizinho. Olhe pro seu relógio, lembre das horas e dos seus horários, lembre do seu trabalho, dos seus compromissos, das suas obrigações com a sociedade. Entre devagar em sua casa com cuidado para não atrapalhar o sono dos seus familiares. Acenda as luzes para que não venha a topar em alguma coisa e assim causar alardes. Pense nos outros, naqueles que precisam de você, pense na política, pense na sociedade, no seu vizinho, no seu chefe. E vá dormir, pois amanhã é um novo dia.

Kaê Brito
Enviado por Kaê Brito em 04/10/2010
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