FRAGMENTOS

SOLIDÃO (I)

Ele ligou para a sua nova conquista – ela não estava. Esta também serve – pensou, consultando o seu caderno de telefones. Ninguém atendeu. Aquele caso antigo, ela vinha aceitando seus convites escassos – não estava, quem atendeu foi a secretária eletrônica. Tentou seu amigo de fé, mas este tinha saído com a namorada. Sozinho resolve enfrentar a noite a procura de uma nova conquista. Se olha no espelho para pentear os cabelos. Ele também não está. Desiste. Escrevendo um texto sobre a solidão acaba dormindo. Naquela noite teve um sono tranqüilo, porém sem sonhos.

SOLIDÃO (II)

Sozinho, desempregado, não tendo nada o que fazer segunda-feira tarde, ele sentou-se num banco da praça para fazer hora e ficou meditando no vazio. Passaram-se horas, dias semanas, meses, anos e ele acabou virando estátua. Uma bonita estátua de um velho sem ilusões.

DESTINO CRUEL (I)

Caminhando por uma rua deserta, em companhia de uma mulher chata e feia, numa tarde monótona, com sapatos apertados, quase sem dinheiro no bolso, com uma pontinha de dor de cabeça e com a bexiga cheia, pisou numa bosta de cachorro.

DESTINO CRUEL (II)

À medida que os amigos vão sabendo que estou escrevendo e publicando, vou passando por situações inusitadas.

No trabalho, ao ver um livro do Ruben Braga sobre minha mesa, um colega falou: “Esse aí, sim, é bom! Deste eu gosto muito”. Ao que falei de pronto, sem perder a posse: “É, ele escreve muito bem, é do meu nível”.

Além de situações como esta, fica a terrível possibilidade do livro ser lido “em diagonal”, na base da leitura dinâmica, com o leitor apenas interessado no sentido geral, passando por cima das passagens trabalhadas com carinho e de o autor, desolado, encontrar um exemplar de um livro seu num sebo do Centro de cidade, vendido a preço de banana. “Poxa, não vendi, dei de presente. Tinha até dedicatória para aquele que falou que gostava muito mais do Ruben Braga..”.

O PONTO

O ponto é, por excelência, um solitário, parágrafo, final. O ponto é fechado em si mesmo, imóvel, perdidamente redondo. Quase sempre eu me vejo dentro dele, principalmente à noite, chego naquele ponto, pronto, tonto.

Uma vez o ponto se desdobrou, se reticenciou, criou dois amigos. Mas foi tudo superficial, apenas insinuativo e ele voltou a ser o mesmo ponto, parágrafo final. Somente um ponto.