Meditações em torno da Educação - III

III

A escola seria, portanto, na maioria das vezes uma castradora de nossas habilidades mais autênticas. Não só para mim, mas para qualquer aluno que apresentasse uma sensibilidade mais aguçada ou inclinação especial para qualquer coisa, artística, científica ou não. Fui levado a perceber que a escola, como um terrível vampiro, bebe de nosso sangue e poda nossa criatividade! Na maioria das vezes a escola só nos ensinava aquela burra e muda obediência dos recrutas diante de um sargento.

Deveríamos todos chegar num horário pré-determinado, sentar caladinhos em fila indiana e reproduzir no caderno tudo aquilo que o professor - aquele que professa a verdade - dizia e escrevia no seu incontestável e sagrado quadro negro! Ai daquele que abrisse a boca! Ai daquele que nos intervalos subisse numa árvore! Sim, nós, seres vindos do macaco (não era assim que explicava a professora de biologia?) não podíamos subir em árvores! Nós, não podíamos fazer as coisas que nossos antigos ancestrais, aliás, não preciso nem ir tão longe, coisas que nossos avós e pais faziam quando eram meninos: subir em árvores e comer manga verde.

Sim, subir em árvores e comer manga verde era proibido, sob a pena de tomar uma advertência ou, até mesmo, nos casos mais graves, uma suspensão! Era uma espécie de domesticação a qual deveríamos todos nos submeter! E nos empurravam nas escolas ainda pequenos e indefesos como filhotinhos de cachorro, para servir como cãezinhos dóceis o nosso patrão de amanhã. Ora, só estão verdadeiramente aptos a passar de ano aqueles que fizessem tudo “direitinho”! Quando saíssemos da escola deveríamos estar aptos a obedecer, deveríamos ser práticos e ágeis na resolução de nossos serviços. O "aluno nota 10" da escola de hoje seria o “funcionário do mês” na empresa de amanhã!

A escola ensinava aquilo que os adultos devem estar prontos a fazer: jamais contestar as autoridades e a lei sob a pena de serem punidos, ora com a demissão do emprego, ora com a prisão. Em alguns casos, como a igreja, a punição poderia ser o inferno. Nesse quesito, vale dizer, a escola cumpria impecavelmente sua função.

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Me acode agora uma reflexão feita pelo escritor e pensador francês Antoine de Saint-Exupéry. No último capítulo do seu livro “Terra dos Homens” ele diz que o mundo mata todos os dias um Mozart!

Nesse capítulo ele descreve a triste cena de operários poloneses famintos numa exaustiva viagem de trem. Chega a descrever um casal que levava no colo uma criança. No meio de toda aquela cena miserável Exupéry percebe nessa criança uma esperança: "eis Mozart criança, eis uma promessa de vida!". Mas sua esperança, tão romântica, se faz acompanhar ao mesmo tempo pela sombria previsão da dura realidade que aguardava aquela criança, trata-se aí de uma esperança abortada, frustrada: "Mozart criança irá para a estranha máquina de entortar homens. Mozart fará suas alegrias mais altas na sujeira dos cafés-concertos. Mozart está condenado".

É Exupéry, hoje essa sombria realidade me atormenta, me revolta. Realmente, não é o indivíduo simplesmente quem sofre e perde, é aquilo que nos define como homens que está sendo lesado. Aquilo que nos fazia seres criativos, sensíveis, humanos. Somos, na maioria das vezes, mais parecidos com um monte de barro do que propriamente com seres humanos. Falta-nos espírito sobre esse monte de barro, falta esse sopro de espírito sobre a esterilidade de nossa condição massacrada.

E quantos Mozart's, amigo Exupéry, quantos Mozart's não estão sendo esmagados hoje pela burrice estúpida da Escola e do mundo cruel que ela representa?

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 28/08/2010
Reeditado em 28/08/2010
Código do texto: T2463779
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