Meditações em torno da Educação - II
II
Quanto aos professores, que lamentável! Em toda minha vida escolar, tenho, no máximo, três exemplos na memória. Uma, a tia Mirna, professora de História Geral no meu 1º ano do Ensino Médio.
Nem sei se ela lembra disso. Lembro que estávamos estudando o período das Grandes Navegações e a turma foi estimulada a fazer desenhos, ou quadrinhos, que ilustrassem um poema do Fernando Pessoa que se relacionava com o tema. “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?”. O poema toca no tema das despedidas, quantas pessoas, principalmente mulheres, se viam obrigadas a se despedir para sempre de seus filhos e maridos nos portos, perdendo-os para a grande aventura do mar e da descoberta. O tema me inspirou bastante e, estimulado pelos amigos mais próximos criei uma breve história em quadrinhos onde contava a estória de um rebelde renascentista que, condenado pela Santa Igreja Católica e pelo Rei por causa de seus ideais, fora deportado numa caravela como prisioneiro, deixando seu grande amor a chorar, sozinha e desamparada na beira do cais, eternamente a sua espera.
Revistinha pronta, elogios e palmas dos amigos. Agora faltava a professora. Ainda lembro da cara da tia Mirna quando viu. Essa abriu seus enormes olhos verdes sobre o desenho e me fez os elogios que, até aquela série, com meus dezesseis anos eu nunca ouvira da boca de nenhum professor. Além de tudo me estimulou a sempre me aperfeiçoar por esse caminho. Eu abri um sorrisão daquele tamanho e nunca mais me esqueci daquele dia, nem da tia Mirna. Foi, de fato, um dia bom, positivo, ao contrário dos outros dois exemplos que ainda não contei.
Um deles foi um professor de matemática da 8ª série do Ensino Fundamental. O nome não direi, mas sobre o nariz sim. Ah, só o nariz dele daria um livro, uma grande enciclopédia! Ele tinha o nariz adunco e enorme como o bico de um tucano. Talvez fosse um eleitor do PSDB, ou talvez um mero mascote mal remunerado do partido, ou qualquer coisa assim, vá saber! Sabia que era meu professor de matemática e que ao tomar uma das revistinhas em quadrinhos que eu desenhara nas mãos voltou para mim um sorriso irônico e comentou entre meus colegas: “parabéns, assim você vai mudar o mundo...”.
Quando ele disse isso ouvi apenas o sorriso amarelo de meus colegas. Não se lia no tom de voz dele o estímulo aparente das palavras, mas havia uma ironia mordaz, como se dissesse: “em vez de ficar desenhando essas porcarias que não vão levar a nada, porque não trata logo de aprender Função do 2º Grau, isso te dará muito mais futuro!”. Era muito fácil pra qualquer um dos que ouviram aquelas palavras entender que era exatamente isso que ele queria dizer através de sua pobre ironia. Não é à toa que prorromperam os risinhos dos alunos mais bajuladores. E como isso me fez mal! Para uma criança isso tinha um peso terrível. Afinal, era o professor “aquele que sabe”, era nossa autoridade intelectual, a nossa referência. Em função disso parei de desenhar por um tempo. Esse dia, diferente daquele da tia Mirna, foi amargo, não só para minha formação escolar, mas na minha formação humana mesmo!
No outro exemplo negativo não vou me estender tanto. Basta dizer que era uma professora também de matemática, substituta desse mesmo professor, o nariz de tucano! Essa, diferente do irônico professor, foi mais radical, rasgou minhas revistinhas na frente da turma e me expôs a uma terrível humilhação pública, talvez a mais forte que já sofri na escola. Ela não suportava minha distração nas suas sagradas aulas de matemática! “Fica aí o tempo todo lendo e desenhando essas revistinhas!” O mais irônico de tudo é que nesse ano, já no terceiro bimestre, eu já tinha conseguido uma coisa rara na minha vida de estudante: passar no terceiro bimestre em matemática!
Quanto aos demais professores, esses não souberam ou não opinaram. O fato é que em toda minha formação escolar essa minha habilidade, que me fazia tão bem, foi sendo ao longos dos anos violentamente ignorada.
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