O que é atuar?

Algo que me incomoda ao extremo é a facilidade com que as pessoas dispensam elogios a qualquer coisa. Sinceramente, é preciso ter mais critério, menos simpatia gratuita e mais rigidez. Antes disso, no entanto, é preciso conhecer outros trabalhos, estes, que apresentem algo que possa substituir aqulo que se critica negativamente. Por exemplo?

"Crazy Heart", o filme que deu o Oscar a Jeff Bridges. Para começar, considero o filme um fracasso. Convenhamos, quem precisa de mais histórias muito parecidas com a vida de Johnny Cash, sendo que este próprio teve sua representação por Joaquim Phoenix? Um filme como "A vida é dura: A história de Dewey Cox" tem muito mais qualidade e valor, porque se trata de uma sátira pastelão aos referidos filmes de cowboys e suas guitarras, suas vidas alcoolicas e as letras sofridas. Já estamos cheios desse mais do mesmo.

Na esteira desse pensamento, estendo minha crítica ao ofício do ator. Jeff é um péssimo ator. Como sei disso? Como posso afirmar isso? Porque já assisti uma série de filmes com o Jeff Bridges, acho que o primeiro foi o clássico "Starman", de 1984, e em todos se percebe o mesmo distanciamento entre ator-personagem, de forma que você acaba conhecendo a pessoa pelas repetidas vezes em que ela surge preenchendo espaços vitais de seus personagens. Seu ritmo excessivamente pausado, aquele olhar de Shar Pei, o mesmo jeito de mexer a boca, a postura, nada naquele homem diverge de tudo que ele já fez! Isso acontece de forma aguda e irremediável com estrelas de seriados americanos, os sitcoms. Matthew Perry conseguiu, alguma vez, afastar o fantasma de Chandler Bing de suas atuações? Nem uma vez, ao menos que tenha visto. Aos que souberem das exceções, por favor, deixe indicações nos comentários.

O que é atuar? Deixamo-nos convencer, por conta das novelas, dos filmecos e da lei do menor esforço, condição inerente ao homem social, de que atuar é simplesmente estar natural diante das câmeras. É o que acontece com TODOS esses atores da Rede Globo e demais. Alguns desenvolvem uma "pegada" e a repetem constantemente, como é o caso de Toni Ramos, que muda a nacionalidade, mas não perde a mesma maneira de gesticular, a entonação, o jeito de encarar quando está sendo injustiçado, etc. Outros, por sua vez, nem se dão o trabalho de fazer tal construção, obrigação mínima, e vivem da imagem que conseguiram em seus trabalhos iniciais na Malhação. Anualmente, percebam, alguns atores deixam a noveleca para emburrecentes e migram para a das seis, ou sete, para fazer nada mais do que faziam: interpretar personagens tão desafiadores quanto andar para frente.

É o caso de Jeff Bridges. Que grande dificuldade existe em interpretar um personagem que tem problemas com bebida e canta? Que grande dificuldade teve o Rourke ao fazer "O Lutador"? Não percebem que é a mesma forma de personagem, apenas com detalhes e imagem diferentes, e nem tão diferentes que exijam qualquer grande esforço?

Só sabe do que falo quem consegue vencer os problemas com o cinema antigo e começa a embarcar numa viagem mais densa. Ao assistir Liv Ullman em "A Hora do Lobo", na cena final, onde seu rosto encarando a câmera parece um caldeirão de expressões vivas, máscara multiforme que acompanha as palavras com maestria, percebe-se na hora o quão longe de uma grande atuação estão a maioria das atrizes que hoje são consideradas grandes nomes de Hollywwod. Mulheres que não são artífices da interpretação, da transformação de seus corpos em matéria moldada por uma consciência artistica, mas meramente um bando de ícones que ocupam espaços pré-destinados.

Concordo plenamente quando Alejandro Jodorowsky diz que "é preciso destruir a ilusão". Quando o povo deixar a ilusão que comodamente lhe recai sobre os sentidos, quando passar a compreender a arte como um produto que deve ser exigido ao máximo, para que o produto final seja o máximo do intelecto humano envolvido, e por isso uma experiência memorável para ambas as partes, então poderemos apontar heróis e adjetivar com mais segurança os gênios da profissão. Por enquanto, corre-se o risco quase certo de se cair no ridículo, mesmo que tal não seja reconhecido, já que ao redor este papel se repete em ondas.

Avati
Enviado por Avati em 23/08/2010
Reeditado em 23/08/2010
Código do texto: T2454646
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