Raul Seixas: aventuras e indagações...
Wilson Correia
Raul Seixas vivenciou experiências de pensamento e, por essa razão, incursionou pelo mundo da filosofia. Há dúvidas sobre se ele é um cantor-filósofo ou se pode ser entendido como um filósofo-cantor.
Há quem veja Raul ligado a Nietzsche (CHAVES, 2008).
No meu entendimento, ele é um livre-pensador. Aliás, o modelo ideal de vida intelectual a quem preza a liberdade possível neste mundo entulhado de tantos arbítrios e de tantas determinações.
Nessa perspectiva, a música “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor” apontam para o lado filosófico de Raul. A nós cabe indagar o que está permeando essa letra autobiográfica, como tantas outras, que esse baiano retado nos legou (entre aspas “” a letra de Raul, seguida de minhas indagações).
“Tá rebocado meu compadre - Como os donos do mundo piraram - Eles já são carrascos e vítimas - Do próprio mecanismo que criaram.”
Rebocado? Então tá tudo puxado, arrastado, levado de roldão? Ou tá tudo barreado, feito barro, escrito na pedra? No mecanismo que os donos do mundo criaram não tem ganhador e perdedor, mas, apenas, carrascos e vítimas que se identificam com esses donos do mundo?
“O monstro SIST é retado - E tá doido pra transar comigo - E sempre que você dorme de touca - Ele fatura em cima do inimigo”
Então, monstro SIST é sistema econômico, social, ideológico e quer transar no sentido de se relacionar, criar vínculos de pertença e permuta? E que é touca? Será desavisamento, cochilo e bobeira, de modo a dar ocasião para o faturamento do inimigo pelo monstro sist? O monstro sist não pode querer ninguém como amigo, mas como objeto a ser explorado?
“A arapuca está armada - E não adianta de fora protestar - Quando se quer entrar num buraco de rato - De rato você tem que transar”
Como a arapuca da sociedade administrada está posta, como as coisas já estão decididas a priori, antes de qualquer coisa, então protesto não prospera? Melhor é transar com o monstro sist para, dentro dele, dele se aproveitar?
“Buliram muito com o planeta - E o planeta como um cachorro eu vejo - Se ele já não aguenta mais as pulgas - Se livra delas num sacolejo”
Está bem! O planeta natureza é cego e não transige com predadores?
“Hoje a gente já nem sabe - De que lado estão certos cabeludos - Tipo estereotipado - Se é da direita ou dá traseira - Não se sabe mais lá de que lado”
A confusão dos espíritos emergiu para as mechas que zanzam por aí?
“Eu que sou vivo pra cachorro - No que eu estou longe eu tô perto - E se eu não estiver com Deus, meu filho - Eu estou sempre aqui com o olho aberto”
O olho aberto substitui o não-estar com deus? Ou será certa crença que fecha os olhos de quem deveria ver?
“A civilização se tornou complicada - Que ficou tão frágil como um computador - Que se uma criança descobrir o calcanhar de Aquiles - Com um só palito pára o motor”
Pois então... os novatos são mais competentes para apontar nossos calcanhares de Aquiles? Uma criança poderá colocar um palito no computador da sociedade adulta atual e fazer parar o motor que a alimenta em sua sanha de disciplina e controle? A criança indisciplina e descontrola?
“Tem gente que passa a vida inteira - Travando a inútil luta com os galhos - Sem saber que é lá no tronco - Que está o coringa do baralho”
Superficialidades e acidentes... onde encontrar a essência e a profundidade? O que aparece é sombra da coisa ou será um modo de manifestação do ser profundo que essa coisa é?
“Quando eu compus fiz Ouro de Tolo - Uns imbecis me chamaram de profeta do apocalipse - Mas eles só vão entender o que eu falei - No esperado dia do eclipse”
O que mesmo embrutece o homem e a mulher: o ouro do tolo ou a tolice do ouro? Ter, acumular, consumir, lucrar em detrimento dos perdedores... esse jogo não é um jogo de imbecil? É preciso viver o dia do eclipse, aquele da cara no muro, para se entender que o que realmente decide a vida não é o ouro tolo que tanto cultuamos em forma de riqueza material?
”Acredite que eu não tenho nada a ver - Com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira - A única linha que eu conheça - É a linha de empinar uma bandeira”
Em filosofia esse aforismo é uma denúncia? Ele fala dos que fazem filosofia e que se aferram a linhas, correntes e escolas e delas jamais largam, fazendo-se servos de seus ditames até a morte? O aristotélico vivendo como mula do morto estagirita e, ventrilucamente falando, reverberando seus ditos, frases, idéias e pensamentos? Se não existe linha evolutiva na música, poderá existir em outros processos humanos, como o da filosofia, por exemplo?
“Eu já passei por todas as religiões - Filosofias, políticas e lutas - Aos 11 anos de idade eu já desconfiava - Da verdade absoluta”
A verdade absoluta é uma mentira, exceto este dito sobre a verdade absoluta? Quem se esconde em verdades absolutas o faz por não suportar conviver com as verdades da diferença?
“Raul Seixas e Raulzito - Sempre foram o mesmo homem - Mas pra aprender o jogo dos ratos - Transou com Deus e com o lobisomem”
Ecletismo em nome da vida e da realização pessoal, até onde for possível, é o que pode justificar nossos passos sobre a Terra? Ou teremos de ter uma linha de enquadramento, controle e disciplinarização?
Tanta aventura de Raul
Muitos grilos no quintal
Claro, eu nada saberei
Raul é o dono do sinal
E fim de papo!!!
CHAVES, L. G. B. O que há de Nietzsche em Raul Seixas. In: VASCONCELOS, J. G.; MUNIZ, C. R. & FRANCO, R. K. G. (Orgs.). “Nietzscheanismos”. Fortaleza: Edições UFC, 2008, p. 56-69.