"O amor, pelo contrário, nos une às coisas, ainda que passageiramente.

Pergunte-se o leitor que novo caráter sobrevém a uma coisa quando sobre ela se derrama a qualidade amada.

Que sentimos quando amamos a mulher, quando amamos a ciência, quando amamos a pátria?

Antes de qualquer outra nota acha­remos esta: o que dizemos amar se nos apresenta como algo imprescindível.

O amado é, de pronto, o que nos parece imprescindível.

Imprescindível!

Quer dizer que não podemos viver sem ele, que não podemos admitir uma vida na qual nós existíssemos e o amado não - que o consideramos parte de nós mesmos -.

Há, por conseguinte, no amor, uma ampliação da individualidade que absorve outras coisas dentro desta, que as funde conosco.

Tal liame e compenetração nos levam a internar-nos profundamente nas propriedades do amado.

Vemo-lo inteiros e se nos revela em to­do seu valor.

Então advertimos que o amado é, por sua vez, parte de outra coisa, que necessita dela e a ela está ligado.

Imprescindível ao amado, também se faz imprescindível para nós.

Deste modo vai ligando o amor coisa a coisa e tudo conosco, em firme estrutura essencial.

O amor é um divino arquiteto que baixou ao mundo - segundo Platão,

“ a fim de que todo o universo viva em conexão”.


(José Ortega e Gasset, in Meditações do Quixote)


Angela...:)