Pronto para Partir
Toda vez que entro naquele lugar não vejo alegria nas faces envelhecidas, vejo rostos marcados por rugas para retratar quanto tempo se passou desde que vieram ao mundo, ou talvez para expressar a qualidade de vida que tiveram. Vez ou outra vejo um sorriso, para em seguida notar uma expressão de tristeza e sofrimento no mesmo semblante que há pouco sorria. Um sorriso débil e sem sentido, talvez lembrança de um fragmento de passado já distante, um instante de felicidade que já não existe mais, talvez recordação de um filho, de uma viagem ou de um amor marcante.
A maioria nem sabe o porquê de estar lá, o que de certa forma é bom. Naquele lugar é salutar sofrer de esclerose, assim quem está lá não se dá conta de que está lá! O lugar não tem muitos espelhos, deve ser de propósito, afinal todos ali estão fugindo da realidade.
Tal qual numa escola maternal, as pessoas deixam pessoas por lá, alguns partem aliviados, outros partem com o coração partido. Quem fica, fica com saudades, fica não querendo ficar, só os lúcidos se dão conta de que estão lá para partir.
Triste realidade de uma vida vivida em uma cidade onde as pessoas se empilham em edifícios, em apartamentos apertados, onde há pouco espaço para uma criança e nenhum espaço para quem foi criança há muitas décadas.
Naquele lugar não vejo alegria, vejo apreensão, vejo amores passados, vejo aventuras vividas, vejo mágoas, vejo algumas catástrofes, vejo experiência de vida, de vida esquecida. Triste realidade, eu tenho medo de que chegue o meu dia de ir pra lá. Se chegar, não quero mais estar aqui na realidade, quero ter um olhar distante e os pensamentos no mundo da lua, pronto para partir.