O Vazio (IN) Construtivo

Vamos lá, me propus um desafio: pensar no embotamento. Eu estou me sentindo meio idiota. Bem sociável, conversador, não tenho reclamado da minha rotina e bem, deixei de ficar pensando em demasia no meu recente desafeto amoroso. Ontem eu desci do ônibus e estava chovendo muito e eu estava sem guarda-chuva e o ponto fica em frente ao Cemitério da Saudade e eu estava ouvindo Joy Division. Quer melancolia maior? Eu poderia estar dentro de um carro, quentinho e seco ouvindo algo mais animado e passando longe do Cemitério. Mas não, lá estava eu, no início da noite, feliz da vida, sendo tomado por um turbilhão de pensamentos positivos. Tentei resgatar as coisas que me entristecem e irritam e elas soaram tão frívolas naquele peculiar momento. Nenhum desafeto conseguia transpor a minha muralha de repentina felicidade. Eu sou do tipo que se preocupa quando não há preocupação alguma. E quando há preocupação, bem, eu fico feliz com a minha infelicidade por que é nela que eu consigo fazer o que me deixa feliz, o ato solitário que é escrever. É uma piração doida, um círculo vicioso que dá mais sentido na minha vida e conversei e constatei que quando uma emoção muito forte nos acomete e a gente supera, um silêncio da alma nos toma o corpo e a mente e quando isso acontece comigo a minha acuidade sensorial deixa de existir e eu viro apenas um vegetal autista que observa tudo e não vê/absorve nada. Então, nesse dia ai da chuva, tudo estava lindo: o asfalto mais escuro, as luzes do semáforo mais brilhantes, os gatos da floricultura rolando no chão, o Preto Velho com a sua característica posição e eu entrei no mercado e falei "porra, ô vontade de gastar com alguma coisa boa pra comer" e eu entrei lá doido pra comprar capuccino e não tinha e aí eu tive um lampejo do meu mau humor aparecendo e percebi que eu trabalho beeeem o engrandecimento de pequenos infortúnios e o transformo numa grande causa que logo se torna um pedaço de pedra onde eu afio o meu sarcasmo. E aqui eu me despeço com a seguinte conclusão: não preciso (não, definitivamente não preciso) pensar para conseguir escrever alguma coisa. Pois somente deixei os dedos circularem nesse teclado maculado com cascas de pão e saiu isso que vocês (vencedores que conseguiram chegar até aqui) estão lendo e então não me venham com "antigamente eu sabia escrever e hoje eu não sei pois não consigo pensar em nada"; não, apenas abra o bloco de notas do computador ou o caderno e espere, sinta; as palavras virão. Confie em você, que aos treze anos de idade escreveu a melhor redação da escola.

Joy Division - Autosuggestion

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 15/07/2010
Código do texto: T2380248
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