TRAVESSIA (MILTON NASCIMENTO)
Escrito por: crika
TRAVESSIA (MILTON NASCIMENTO)
Escrito por: crika
Após uma perda, seja ela por morte ou não, é freqüente ocorrer a perda da qualidade de vida emocional, em razão das seqüelas deixadas pela quebra/interrupção de sonhos e projetos. Insônia, agitação, dor de cabeça, perda de apetite ou compulsão pelo alimento, são alguns dos sintomas que devem merecer a atenção de quem está passando por algum tipo de perda.
Entramos num processo em que algumas fases conturbadas vão sucedendo, ou vêem como ondas de tristeza e indiferença, em avanços e recuos, até que tudo retorne ao normal, levando-se em conta que o tempo para essa estabilização varia de pessoa para pessoa.
Estava prestando atenção na letra da música Travessia de Milton Nascimento, percebi o quanto ela fala desse processo, começando pela dor que, depois de muita resistência, precisa ser expressa por meio do choro, como alívio momentâneo de uma tristeza sem limites: “quando você foi embora, fez-se noite em meu viver. Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje tenho que chorar...”
A fase primeira.... a negação, não queremos admitir que isso esteja acontecendo. Vem uma sensação estranha de que a ausência não passa de um pesadelo e que, tudo estará bem. É o que dizem esses versos: “Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar, estou só e não existe muito tempo pra falar”. O entorpecimento, a dificuldade de se identificar com a própria casa, a necessidade de desabafar com alguém, de driblar a solidão.
Ao se dar conta de que tudo está perdido, inicia-se então, a segunda fase, caracterizada pela raiva e pela revolta, mesclada com a perplexidade que ainda persiste. Enchemo-nos de ódio e manifestamos esse sentimento por meio de agressões ou engolimos, como se a raiva estivesse escapando por todos os poros. A violência que a dor da perda provoca pode atingir nível de hostilidade muito grande. A Música diz na seqüência: “Solto a voz nas estradas, já não quero parar, meu caminho é de pedra, como posso sonhar?”. A morte é o fim da linha.... Vamos todos nos perder... Pra que sonhar?
Surge então o desejo de reverter o processo, implorando uma segunda chance, numa tentativa de negociação: promessas, barganhas com Deus.
Ao perceber que a decisão é irrevogável, vem a tristeza profunda e a música então diz: “Sonho feito de brisa, vento vem terminar, vou fechar o meu pranto, vou querer me matar”.
O ciclo se completa de, pois de alguns anos, quando ocorre pouco a pouco, a adaptação à nova realidade, com a elaboração de projetos e traçado de novas metas. É a fase de reconstrução. E a música termina dizendo: “Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você, eu não quero mais a morte, tenho muito que viver. Vou quere amar de novo e se não der não vou sofrer. Já não sonho, hoje eu traço, com meu braço, meu viver”.
Algumas pessoas fazem essas travessias sozinhas ou com o apoio de familiares e amigos. Outras, porém, estacionam na fase da revolta ou da depressão, trazendo prejuízos à sua vida pessoal e profissional. A busca por novos projetos e conquistas é o primeiro passo no caminho da reconstrução.
Estamos condenados a várias travessias, desde que nascemos..... A começar pelo nascimento. Penso que são perdas necessárias em prol da maturidade e conseqüência natural do “estar vivo”.
Hoje, o luto me é familiar, mas pensei estar mais preparada.
Tive a oportunidade de despedir-me do meu pai, a cada final de semana, aos poucos.
Desejei sua partida, em meio ao sofrimento que passava. (hoje reconheço que é preciso amar incondicionalmente para tal ato)..... Mesmo assim... .O luto é uma necessidade quase instintiva do ser.
Posso dizer sobre o meu luto.... porque sobrevivi a ele.
Como diria Nietzsche só o podemos dizer nos dizendo a nós, expondo o nosso horizonte, o nosso eixo, a nossa carne, sangue e alma: por isso e só assim posso dizer o outro: ao tentar dizer a mim, posso enfim, tentar dizer o outro.
Escrito por: crika
TRAVESSIA (MILTON NASCIMENTO)
Escrito por: crika
Após uma perda, seja ela por morte ou não, é freqüente ocorrer a perda da qualidade de vida emocional, em razão das seqüelas deixadas pela quebra/interrupção de sonhos e projetos. Insônia, agitação, dor de cabeça, perda de apetite ou compulsão pelo alimento, são alguns dos sintomas que devem merecer a atenção de quem está passando por algum tipo de perda.
Entramos num processo em que algumas fases conturbadas vão sucedendo, ou vêem como ondas de tristeza e indiferença, em avanços e recuos, até que tudo retorne ao normal, levando-se em conta que o tempo para essa estabilização varia de pessoa para pessoa.
Estava prestando atenção na letra da música Travessia de Milton Nascimento, percebi o quanto ela fala desse processo, começando pela dor que, depois de muita resistência, precisa ser expressa por meio do choro, como alívio momentâneo de uma tristeza sem limites: “quando você foi embora, fez-se noite em meu viver. Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje tenho que chorar...”
A fase primeira.... a negação, não queremos admitir que isso esteja acontecendo. Vem uma sensação estranha de que a ausência não passa de um pesadelo e que, tudo estará bem. É o que dizem esses versos: “Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar, estou só e não existe muito tempo pra falar”. O entorpecimento, a dificuldade de se identificar com a própria casa, a necessidade de desabafar com alguém, de driblar a solidão.
Ao se dar conta de que tudo está perdido, inicia-se então, a segunda fase, caracterizada pela raiva e pela revolta, mesclada com a perplexidade que ainda persiste. Enchemo-nos de ódio e manifestamos esse sentimento por meio de agressões ou engolimos, como se a raiva estivesse escapando por todos os poros. A violência que a dor da perda provoca pode atingir nível de hostilidade muito grande. A Música diz na seqüência: “Solto a voz nas estradas, já não quero parar, meu caminho é de pedra, como posso sonhar?”. A morte é o fim da linha.... Vamos todos nos perder... Pra que sonhar?
Surge então o desejo de reverter o processo, implorando uma segunda chance, numa tentativa de negociação: promessas, barganhas com Deus.
Ao perceber que a decisão é irrevogável, vem a tristeza profunda e a música então diz: “Sonho feito de brisa, vento vem terminar, vou fechar o meu pranto, vou querer me matar”.
O ciclo se completa de, pois de alguns anos, quando ocorre pouco a pouco, a adaptação à nova realidade, com a elaboração de projetos e traçado de novas metas. É a fase de reconstrução. E a música termina dizendo: “Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você, eu não quero mais a morte, tenho muito que viver. Vou quere amar de novo e se não der não vou sofrer. Já não sonho, hoje eu traço, com meu braço, meu viver”.
Algumas pessoas fazem essas travessias sozinhas ou com o apoio de familiares e amigos. Outras, porém, estacionam na fase da revolta ou da depressão, trazendo prejuízos à sua vida pessoal e profissional. A busca por novos projetos e conquistas é o primeiro passo no caminho da reconstrução.
Estamos condenados a várias travessias, desde que nascemos..... A começar pelo nascimento. Penso que são perdas necessárias em prol da maturidade e conseqüência natural do “estar vivo”.
Hoje, o luto me é familiar, mas pensei estar mais preparada.
Tive a oportunidade de despedir-me do meu pai, a cada final de semana, aos poucos.
Desejei sua partida, em meio ao sofrimento que passava. (hoje reconheço que é preciso amar incondicionalmente para tal ato)..... Mesmo assim... .O luto é uma necessidade quase instintiva do ser.
Posso dizer sobre o meu luto.... porque sobrevivi a ele.
Como diria Nietzsche só o podemos dizer nos dizendo a nós, expondo o nosso horizonte, o nosso eixo, a nossa carne, sangue e alma: por isso e só assim posso dizer o outro: ao tentar dizer a mim, posso enfim, tentar dizer o outro.